Berna (Suiça) - Ainda há algumas semanas, em Berlim, um filme russo, Um Sábado Inocente, mostrava o fogo na central nuclear de Tchernobyl, em 1986, enquanto muitos se divertiam numa festa de casamento. E a jovem personagem do filme perdia a chance de tomar um trem e escapar da irradiação atômica por ter quebrado o salto do seu sapato. Na sua irresponsabilidade, ela insistia em comprar primeiro um novo sapato.
Mais de seis milhões de pessoas foram afetadas pelas irradiações de Tchernobyl, que lançou uma nuvem atômica, causando, mesmo na França (por onde o governo desmentiu ter passado a nuvem), uma onda de problemas com a tiróide.
Porém logo tudo se esqueceu, como todos se esqueceram do vazamento na central nuclear americana de Three Mile Island, em 1979, na Pennsilvânia. Os governos se sucedem e todos se submetem ao lobby do nuclear por uma energia mais barata e mais limpa, tanto nas economias capitalistas e neoliberais como tinha ocorrido na sociedade soviética comunista.
É a mesma irresponsabilidade da jovem que, diante de uma ameaça invisível, preferia forçar seu companheiro a lhe comprar um novo sapato do que fugir de Tchernobyl. A mesma reação do povo suíço, cuja capital Berna, fica a apenas 20km de uma central nuclear, votando no mês passado em favor da energia nuclear, para assim garantir a continuação de toda a comodidade permitida pela energia elétrica.
Ora, em Tchernobyl e em Three Mile Island não precisou haver terremoto e tsunami. Mas em Fukushima com terremoto e tsunami, não é apenas uma central nuclear que estourou, existem outras três em perigo a apenas 120 km de Tóquio.
Nem bem o Japão passou pela catástrofe dupla do terremoto e do tsunami, que uma desgraça maior se desenha – a da irradiação atômica de uma parte do arquipélago, pequeno para conter a população e sujeito a perder parte do território por contaminação atômica. Justamente o Japão, onde foram lançadas duas bombas atômicas, cujas sequelas ainda se fazem sentir.
Ainda recentemete, quando se debatia o aquecimento da temperatura do nosso planeta, o lobby nuclear convencia os governos a investirem na energia limpa do nuclear, sem contar duas coisas – ainda não se sabe o que fazer com o lixo atômico dessas centrais e, o mais grave, essas centrais não são seguras, podendo mesmo destruir um país.
Se o pior acontecer no Japão, os países vizinhos ficarão ao sabor dos ventos e a nuvem ou nuvens atômicas irão irradiar suas populações, provocando doenças como cânceres e malformações genitais nos fetos, matando lentamente pessoas infectadas pelas chuvas, pelos alimentos, pelos peixes pescados nas águas próximas do Japão.
E onde instalar os milhões de japoneses obrigados a abandonar suas regiões irradiadas, mesmo se não destruídas pelos terremotos e tsunamis ? O horror do tsunami e o pavor do terremotos vemos nos vídeos pela tevê, mas a insidiosa ameaça e destruição das pessoas pela irradiação, capaz de atingir um maior número de seres, ninguém vê, é invisível.
Por que então se insistir na energia nuclear, se hoje existem novas opções ou alternativas ? Por que não se optar pela energia solar nos países equatoriais e tropicais, na força das marés, na energia eoliana e nas hidrelétricas, totalmente inofensivas e limpas ? A transição poderá, inicialmente, sair mais cara, porém privilegiando-se essas opções surgirão técnicas mais baratas e mais produtivas.
Uma grande maioria das atuais centrais nucleares estão envelhecidas e poderão rachar e provocar vazamentos letais em muitos países, forçando populações inteiras ao exílio, comprometendo o futuro da humanidade.
Enfim, vendo horrorizado as imagens de destruição provocada pelo tsunami no nordeste do Japão, me lembrei de uma autobiografia do escritor Isaac Bashevis Singer, prêmio Nobel de Literatura, filho de rabino, obrigado a se exilar nos EUA para escapar ao nazismo.
Torturado pela dúvida, ele se perguntava sobre esse ser que dizem existir lá em cima, se não seria na verdade um sádico que se compraz com as desgraças humanas ou um irresponsável pouco interessado pelas criaturas por ele criadas.
Porém, na verdade, como muitos já aceitaram concluir, não há um deus maldoso, mas no planeta azul solto pelo espaço negro e frio, as formigas humanas vivem sós, sujeitas ao sabor de uma natureza cruel.
Sobre o autor deste artigo.
Rui Martins - Berna
Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
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