Para
advogados, julgamento de acusados pela
tragédia
em Santa Maria deve ser complexo e longo
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A
punição aos responsáveis pela tragédia em Santa Maria, que deixou mais de 230
mortos, deve levar anos devido à quantidade de atores envolvidos no processo e
à lentidão da Justiça brasileira, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC
Brasil.
Eles
alertam que, por mais que o inquérito da polícia e a apresentação da denúncia
pelo Ministério Público (MP) sejam concluídos rapidamente, o julgamento pode
ser longo por causa da complexidade do caso.
Segundo
os especialistas, apesar de a casa noturna ser a principal cena de investigação
policial, há muitos elementos que ainda precisam ser esclarecidos, como a
participação de cada um dos envolvidos no incêndio e na subsequente morte dos
jovens.
"Ainda
é preciso definir quais foram os papéis de cada um dos atores. Houve
negligência dos donos da casa noturna? Os seguranças impediram a saída do público?
Por que um integrante da banda acendeu um sinalizador? Isso foi a causa do
incêndio?", enumera Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da Fundação
Getúlio Vargas (FGV).
"É
claro que as provas e os indícios constarão no inquérito policial e na denúncia
do MP. Mas há muitos atores envolvidos. O recolhimento das evidências não pode
ser feito de maneira açodada, pois, do contrário, o juiz pode requerer revisão
do processo, o que atrasaria o julgamento", acrescenta.
Recursos
Na
avaliação dos especialistas, também será preciso discutir o tipo de crime
cometido pelos envolvidos na tragédia: se os acusados tiveram ou não intenção
de matar.
Além
disso, mesmo depois de julgados em primeira instância, os acusados poderiam
recorrer da condenação - dependendo do caso, em liberdade - em tribunais
superiores, por meio da interposição de recursos.
"A
legislação brasileira é ultrapassada e acaba por reforçar a cultura de
irresponsabilidade, que, no fim das contas, acaba por gerar a sensação de
impunidade no país", afirma Odete Medauar, professora de Direito da
Universidade de São Paulo (USP).
"Ou
seja, trata-se daquela velha sensação de que ninguém no Brasil é punido",
acrescenta.
Prisão
temporária e preventiva
Segundo
a polícia de Santa Maria, quatro envolvidos na tragédia permanecem presos
temporariamente.
A
prisão temporária deles foi decretada na última segunda-feira e durará cinco
dias, podendo ser prorrogada por igual período.
Especialistas
afirmam que, se necessário, depois desse tempo, a prisão preventiva dos
suspeitos pode ser decretada.
"Porém,
isso tende a ser pouco provável, uma vez que ela só é pedida em casos
excepcionais, como, por exemplo, se há ameaça de fuga ou se há risco à
população", afirma Sundfeld.
Segundo
os especialistas, as responsabilidades dos acusados podem variar nas esferas
cível (indenizações), penal (crimes) e administrativa (processo disciplinar).
Na
última terça-feira, em uma entrevista coletiva, o delegado Marcelo Arigony,
responsável pelo caso, e o promotor Cesar Augusto Carlan disseram que agentes
públicos poderiam ser responsabilizados pela tragédia na boate Kiss.
Assim,
além dos donos da casa noturna e dos integrantes da banda que acenderam o
sinalizador, que teria provocado o incêndio, a Prefeitura e o Corpo de
Bombeiros também poderiam ser responsabilizados pela tragédia.
"Eles
poderiam ser considerados corresponsáveis pelo crime, uma vez que a lei
determina os deveres do ofício", diz o jurista Roberto Delmanto Júnior.
Penas
A
definição das penas dependerá do entendimento do Judiciário. Segundo o advogado
criminalista Carlos Kauffmann, se o juiz entender que houve homicídio culposo
(quando não há intenção de matar), as penas podem variar de um a até três anos
de prisão.
"Nesse
caso, as penas devem ser convertidas em prestação de serviços à
comunidade", afirma Kauffmann.
Por
outro lado, para o criminalista, o Ministério Público pode entender que o
incêndio foi causado por dolo eventual, quando o acusado, apesar de não ter a
intenção de matar, assume concretamente o risco do resultado.
"Nessa
hipótese, que, apesar de ser menos provável, parece ser a adotada pelo MP, uma
vez que houve prisão temporária, o caso poderia ir a um tribunal do júri e
demoraria mais tempo. As penas variariam de seis a 20 anos de prisão,
dependendo da qualificadora", acrescenta Kauffmann.
Para
parte dos especialistas ouvidos, no entanto, a pressão popular e a repercussão
negativa do caso para o Brasil podem contribuir para que o episódio não caia no
"esquecimento".
"Por
mais que o processo seja demorado, acredito que não deva haver 'pano quente'
nessa história, devido à quantidade de mortes, sobretudo de jovens",
conclui Medauar, da USP.
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