Procurado pela Justiça há dias,
o dirigente opositor Leopoldo López se entregou às autoridades venezuelanas
nesta terça-feira, em manobra que cria dilemas tanto para o governo quanto para
a oposição anti-chavista.
A iniciativa de López dá início
a uma jogada política que mira, segundo analistas, conquistar a liderança da
coalizão opositora e abrir caminho para uma candidatura presidencial.
Acompanhado por uma multidão de
jovens universitários, López cumpriu o roteiro anunciado na véspera: assumiu um
tom heroico e se entregou à Guarda Nacional, que o esperava em um dos pontos de
contenção da manifestação, ao leste da capital.
"Hoje me apresento a uma Justiça injusta, corrupta, que não julga de acordo com a Constituição e as leis. Se a minha prisão servir para despertar o povo, valerá a pena", discursou em um alto-falante. |
"Hoje me apresento a uma
Justiça injusta, corrupta, que não julga de acordo com a Constituição e as
leis. Se a minha prisão servir para despertar o povo, valerá a pena",
discursou em um alto-falante.
López é acusado pelo governo de
ser o responsável por incitar a onda de violência no país que já soma quatro
mortos e centenas de feridos desde a semana passada.
Unidade
à oposição
Ainda não está claro quais
serão as acusações atribuídas a López e se ele será mantido na prisão. Isso
determinará se ele poderá solicitar um habeas corpus e responder ao eventual
processo em liberdade.
O vice-chanceler Calixto Ortega
afirmou à TV local que López - detido em um tribunal em Caracas - tem uma ordem
de apreensão e não de prisão e "poderia ser liberado" após prestar
declarações.
Em pronunciamento nesta terça,
o presidente Nicolás Maduro afirmou que a entrega de López foi negociada. E,
numa tentativa de desinflar os protestos, o presidente convocou seus
adversários a um diálogo nacional e respondeu uma das demandas do movimento
estudantil, ao anunciar que o Ministério Público determinou a libertação de 90%
dos jovens que foram detidos durante as manifestações.
A analista política Mariclein
Stelling opina que, se a Justiça levar adiante o pedido do governo de prender
López, dará elementos de unidade à oposição que não existiriam caso o dirigente
opositor não fosse detido.
"Sem eleições, a unidade
da oposição não tem razão de existir. (Os opositores) estariam um ano e meio
(até o pleito legislativo em 2015) sem adversário com o qual disputar e se
debilitariam naturalmente", afirma.
A seu ver, a manobra de López
tem como objetivo chegar ao palácio de Miraflores num próximo período
presidencial. "López busca projetar-se a uma candidatura presidencial. Se
ele for mantido na prisão, a oposição ganhará um herói e uma vítima",
acrescentou.
O jurista Juan Rafaelli,
professor da Universidade Católica Andrés Bello, concorda.
"O governo tem uma batata
quente nas mãos", afirmou à BBC Brasil. "Num país em crise, ao manter
preso um líder da oposição, o governo joga uma carta perigosa e tende a
aglutinar ainda mais os opositores."
Armadilha
para a oposição
Mas a oposição também tem a
perder. A decisão de López de se entregar acompanhado de milhares de seguidores
se converteu numa espécie de armadilha para os demais partidos da coalizão de
oposição.
Os principais dirigentes
anti-chavistas não concordam com o tom violento e sem objetivos claros impresso
às manifestações, mas não podem admitir publicamente que um de seus aliados
pode estar agindo em benefício próprio.
Na disputa interna da oposição,
está o apoio das classes populares, a base do chavismo. Neste setor, o opositor
moderado Henrique Capriles, governador de Miranda, é mais bem aceito que López
(que é visto por parte da população de baixa renda como
"mauricinho").
A historiadora Margarita López
Maya opina que, em meio à disputa pela liderança da coalizão de oposição, López
obrigou os demais partidos de oposição a apoiá-lo em uma jogada política com a
qual não estavam de acordo.
"López se fortalece. É uma
jogada audaciosa que faz sombra a Capriles", afirma à BBC Brasil. "O
jogo de se fazer de vítima dá crédito político. Os holofotes estarão sobre ele
agora."
Divergências
Capriles compareceu à
manifestação desta terça acompanhado de dirigentes da coalizão de oposição
Unidade Democrática (MUD).
Ele tem criticado a postura de
López de levar parte da população às ruas sem a possibilidade real de promover
mudanças. Um político próximo a ele disse à BBC Brasil que Capriles participou
da manifestação "porque não teve outra saída".
Na véspera, em entrevista à
CNN, Capriles reiterou seu desacordo em levar a população às ruas com a falsa
promessa de que terão força suficiente para mudar o governo. "É preciso
entender que se o povo humilde não sai (às ruas), não há maneira de promover
mudanças", afirmou.
A juventude que acompanhou a
López nesta terça-feira pensa o contrário: quer que os protestos forcem à
renúncia de Maduro, tal como está desenhado no plano liderado por López chamado
"A saída".
"Ele será preso e nós
continuaremos nas ruas, em defesa dele e até derrubar esse governo", afirmou
à BBC Brasil o estudante de engenharia Gustavo Palácio. "Leopoldo é um
exemplo para toda nossa juventude."
Entre cartazes de repúdio à
violência e a escassez de alimentos, destacava-se a frase "Eu sou
Leopoldo".
Próximo dali, trabalhadores
petroleiros marcharam em defesa do governo, repudiando as ações dos estudantes.
No jogo político venezuelano, tomar as ruas é uma demonstração de força
importante para mostrar maioria e indicar à opinião pública de que lado está a
força.
Cai
chefe do serviço secreto
Em meio à crise, o chefe do
Serviço Secreto venezuelano (Sebin) foi destituído do cargo nesta terça-feira,
após o órgão ter desobedecido ordens da Presidência de se manter aquartelado
durante as manifestações estudantis da semana passada.
O órgão é suspeito das mortes
de três venezuelanos, dois opositores e um chavista. A pressão gerada em torno
do tema levou o presidente Nicolás Maduro a admitir que o Sebin havia
desrespeitado suas ordens.
"Há um grupo de funcionários
que não cumpriu as ordens. (...) Eu mandei aquartelar o Sebin na
madrugada", afirmou Maduro no domingo.
Um vídeo exibido pelo site do
jornal Ultimas Noticias revela que agentes do Sebin dispararam contra os
estudantes. O uso de armas letais para conter manifestações está proibido pela
Constituição venezuelana.
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