A enésima tramoia traz envolvidos contumazes e um bode expiatório: aquele que descobriu e a denunciou
Se algo pode dar errado, dará, segundo a Lei de Murphy, a inspirar a vida política do governador do Paraná, o tucano Beto Richa. No último dia 8, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, homologou a delação premiada do empresário Eduardo Lopes de Souza, dono da Construtora Valor, que acusa Richa de ser o maior beneficiário no desvio de mais de 20 milhões de reais: destinados à construção de escolas, foram parar nas contas da campanha à reeleição de Richa, em 2014.
Conforme o delator, estão envolvidos, além de amigos e assessores do governador, o chefe da Casa Civil do estado, Valdir Rossoni, e o presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano, ambos tucanos.
Na última semana, foi anunciado que outro empresário envolvido na Operação Quadro Negro também fechou acordo de delação premiada. O nome é mantido em segredo. Sabe-se que a empresa seguia a mesma linha da sua congênere Valor. Ou seja: licitações subfaturadas, aditivos compensatórios e distribuição de propinas. Desta vez, Richa, Rossoni e Traiano não se manifestaram, mas o rombo nas contas públicas e o escândalo de novos desvios de recursos devem engrossar a lista da pilhagem tucana.
O governador atira para todos os lados, na tentativa de encontrar um culpado para justificar o escândalo. Até agora, por uma dessas ironias que parecem só acontecer na República de Curitiba, a maior vítima desse imbróglio é justamente quem denunciou a maracutaia, o engenheiro Jaime Sunye Neto, ex-titular da Superintendência de Desenvolvimento Educacional, vinculada à Secretaria de Educação.
Aliás, na sua delação, Eduardo Lopes de Souza afirma: “Não posso dizer que o Sunye tenha envolvimento nesse esquema”. E o Processo Administrativo Disciplinar, medida interna para apurar possíveis falcatruas, concluiu que o ex-superintendente não cometeu irregularidade alguma.
A Ação Civil Pública movida pela Procuradoria-Geral do Estado coincide: não há prova de que ele tenha participado de qualquer irregularidade. Sobra um crime típico das burocracias, ou seja, a “negligência” no exercício da função. É o que sustenta a PGE, em busca de um bode expiatório.
Maurício Fanini, ex-diretor de Engenharia, Projetos e Obras da Sude, amigo de Richa e intermediário nas negociações de propina, era subalterno de Sunye e responsável pelos certificados de controle das construções ou reformas das escolas e emissão de faturas a serem pagas.
Toda a tramoia para arrecadação de grana era arquitetada e executada em seu gabinete. Como a burocracia estatal percorria um longo caminho e pela falta de estrutura administrativa da Sude, o sistema de acompanhamento operacional das obras foi realizado pela Paraná Educação (Preduc), um serviço social autônomo ressuscitado pelo governo para fazer os serviços de engenharia, mas até o momento não investigado. Todos os trabalhos de fiscalização das obras e elaboração dos relatórios com as medições adulteradas foram executados por este órgão.
O rol dos envolvidos estica-se desde o fiscal até o governador, passando pelo coordenador de fiscalização, pelo diretor da área de Engenharia (Fanini), pelo superintendente (Sunye), pelo diretor-geral da Secretaria de Educação e pelo próprio secretário, pelo secretário da Fazenda e pelo chefe da Casa Civil. No processo, entretanto, apenas Sunye é punido.
Ou seu crime seria ter denunciado toda a maracutaia? “Eu não era ordenador de despesas. Apenas recebia os relatórios de construção e encaminhava ao diretor-geral para pagamento. Os serviços eram atestados pelo diretor de Engenharia, Projetos e Obras, Maurício Fanini, e pagos pela Secretaria de Educação. Eu não tinha qualquer intervenção nesse processo”, afirma Sunye.
Em abril de 2015, no início do segundo mandato de Richa, Sunye elaborou um relatório de gestão a pedido do então recém-empossado secretário de Educação, Fernando Xavier. “Nessa época, fui assessorá-lo na equipe de transição. Foi aí que tive acesso às informações”, explica Sunye.
Detectou que os relatórios de obras não condiziam com a realidade, tampouco o Sistema Integrado de Monitoramento e Execução e Controle (Simec) estava atualizado. Sugeriu, por meio de ofício, que uma comissão apurasse com rigor os procedimentos de Fanini.
A nova delação promete ser um rastilho de pólvora. Na anterior, o empresário Eduardo Lopes de Souza fizera sérias denúncias a envolver aliados do governador na Assembleia Legislativa. Narrou que, com a falência das finanças do estado, os recursos para o pagamento da Valor foram gerados pela Assembleia Legislativa.
“Alguns dias depois, ele (Fanini) me chamou de novo e disse que estava complicado, porque o estado estava sem recursos. Então, ele disse que teriam de fazer via Assembleia, com os recursos que são devolvidos todos os anos.” Na lambança, marca presença Plauto Miró (DEM), outro deputado da base de apoio de Richa. Enquanto isso, a farra continua.
Em dezembro de 2013, Richa, o então presidente da AL Valdir Rossoni, e Miró comemoravam, na sacada do Palácio Iguaçu, a devolução simbólica de um cheque no valor de 200 milhões de reais.
“Esse valor corresponde a 40% do nosso orçamento. É o resultado do trabalho que temos desenvolvido desde que assumimos a presidência e iniciamos a reforma administrativa”, vangloriava-se Rossoni em sua página na internet. Na Assembleia, os deputados que fazem oposição ao governo tentam em vão, há mais de dois anos, emplacar uma CPI para investigar as denúncias, mas são minoria.
A tentativa por ora frustrada traz à tona nomes já conhecidos das páginas policiais, como o do primo “distante” de Richa, Luiz Abi Antoun, envolvido até a medula na Operação Publicano, que apura o desvio de recursos na Receita Estadual para a campanha de reeleição. Agora Antoun é citado como um dos “três principais arrecadadores de caixa 2 para a campanha do Beto Richa em 2014”.
Os outros mencionados são Ezequias Moreira Rodrigues, secretário Especial de Cerimonial e Relações Internacionais, e Deonilson Roldo, chefe de gabinete de Richa. Fanini, que respondia o processo em liberdade, voltou às grades. O Gaeco, braço policial do Ministério Público, fez novas denúncias de lavagem de dinheiro que envolve a mulher de Fanini, a fonoaudióloga Betina Sguario Moreschi.
Apouco mais de um ano do fim de seu governo, Beto Richa, que um dia foi considerado por Aécio Neves (PSDB) “o mais completo administrador e homem público da nossa geração”, é sufocado pelas denúncias de corrupção. Enquanto Jaime Sunye aguarda sua sentença pelo “crime” de ter ajudado a desbaratar um dos maiores esquemas de corrupção da política paranaense. Mais uma vez, para incriminá-lo parecem ser suficientes as convicções.
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