Casa Branca atende a pedido da CIA e adia revelação de papéis que comprometem a segurança nacional
EL PAÍS
O presidente Donald Trump por fim cedeu à CIA. A esperada liberação dos papéis secretos sobre o assassinato de John F. Kennedy não foi completa. A Casa Branca autorizou a publicação de 2.891 relatórios confidenciais, mas impediu que outros 200 viessem à luz. Considerados o núcleo mais crítico da coleção, esses documentos serão submetidos a avaliação nos próximos seis meses e, exceto os que representarem um risco para a segurança nacional, se tornarão públicos antes de 27 de abril.
Cinquenta e quatro anos depois, as sombras resistem a abandonar o crime que fez tremer o século XX americano. Os Estados Unidos aguardavam com ansiedade a liberação de todos os relatórios confidenciais. A lei de 1992 que os protegia expiraria na quinta-feira, dia 26 de outubro, e o próprio presidente tinha anunciado que sua publicação seria permitida. Mas sabia-se que a CIA estava pressionando para limitar sua saída e censurá-los onde visse risco para seus interesses. Finalmente, conseguiu seu objetivo.
“Determinei que se retire o veto sobre os documentos, mas devido às advertências dos responsáveis pela inteligência, não tenho opção além de aceitar certas condições antes de causar um dano irreversível à segurança da nação”, afirmou Trump.
O filtro, ainda que provisório, volta a frear o acesso universal a um arquivo destinado a abalar a memória coletiva do país. O assassinato de 22 de novembro de 1963 do presidente Kennedy abriu uma ferida que jamais se fechou. O crime foi atribuído oficialmente a Lee Harvey Oswald, um desequilibrado ex-marine que chegou a morar e casar-se na União Soviética. Mas a dimensão do crime e a quase imediata morte de seu autor pelo mafioso Jack Ruby deram margem a todo tipo de teorias da conspiração.
Apesar de ao longo dos anos terem sido liberados 318.000 documentos relativos ao caso (11% censurados), sempre restaram dúvidas quanto à atuação da CIA. Em plena Guerra Fria, a agência tinha se envolvido até a medula em operações de desestabilização de países estrangeiros. Cuba e os movimentos marxistas latino-americanos eram um de seus principais objetivos. Amplos setores da CIA, radicais e envolvidos em conspirações obscuras, odiavam Kennedy pelo que consideravam um relaxamento do cerco a Cuba depois da tentativa fracassada de invasão à Baía dos Porcos e a crise dos mísseis.
A forma de agir dos serviços de inteligência da época é exatamente um dos pontos sobre os quais se espera que os documentos joguem uma luz. E não só por seus jogos de poder. Os especialistas consideram que a CIA e o FBI sabiam muito mais sobre Oswald do que disseram à Comissão Warren, encarregada da investigação sobre o assassinato.
Comunista, desertor e furioso, Oswald era objeto de um intenso acompanhamento por parte dos serviços de segurança. Inclusive sua misteriosa viagem ao México, dois meses antes do atentado, foi detectada pelos espiões dos Estados Unidos. “As agências dispunham de mais dados do que disseram; se tivessem agido conforme sua informação, poderiam ter evitado o pior”, afirma Phil Shenon, autor de JFK. Caso Aberto.
Essa omissão, que durante décadas perseguiu a CIA e o FBI, é um dos pratos cheios dessa última leva de documentos. Muitos aguardam que aí estejam as revisões internas a que foram submetidos e também que se revele em que medida Oswald era seguido, em especial em seu estranho périplo mexicano, onde sem sucesso recorreu às embaixadas de Cuba e URSS em busca de um visto.
Mas mais do que novos dados sobre Oswald, o que demonstra uma primeira observação dos papéis é o que todo mundo sabia: os Estados Unidos tinham a América Latina como um quintal. Faziam e desfaziam. Matavam, drogavam e espionavam à vontade. Um jogo de poder constante e, em muitos casos, uma aberração, que não lhe serviu para evitar a morte de seu trigésimo quinto presidente.
Nos relatórios liberados dia 26 pelos Arquivos Nacionais convivem, à primeira vista, muito lixo informativo, memoriais defasados, justificativas de gastos e informes díspares junto com tramas já conhecidas, de operações no exterior contra líderes que lhes eram incômodos.
Veneno para matar Fidel Castro, voos clandestinos a Cuba, carregamentos de armas destinados a liquidar Leônidas Trujillo, espiões na embaixada cubana no México, dinheiro sujo na Costa Rica, colaboradores da CIA em Honduras, El Salvador, Guatemala... Um manual da espionagem praticada pelos Estados Unidos em plena Guerra Fria e que promete trazer novas surpresas nos próximos dias.
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