Tido como operador de propinas do partido, engenheiro é apontado como titular de contas ocultas na Suíça que podem incluir propinas de obras em São Paulo
Completam-se quase oito anos desde que o fantasma do engenheiro Paulo Vieira de Souza, vulgo Paulo Preto, 68, deu o primeiro susto na cúpula paulista do PSDB. À época, em 2010, o ex-diretor do Dersa, empresa estatal responsável pelas obras rodoviárias em São Paulo, era acusado por correligionários de embolsar quase 4 milhões de reais doados por empreiteiras para a campanha do então candidato à presidência José Serra. Quando os tucanos fizeram menção de abandoná-lo em meio às denúncias, ele, com uma ameaça velada típica de quem guarda segredos, fez com que recuassem. Agora uma nova suspeita paira sobre Souza e volta a assombrar caciques do partido, colocando-o no papel de eventual homem bomba dos tucanos. De acordo com documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça, ele seria o titular de quatro contas offshore no exterior que somam 113 milhões de reais. O valor reforça a tese das autoridades de que o engenheiro, com bom trânsito entre as construtoras, seria operador de propinas do partido. E ainda levanta o temor dentro da legenda de que, ao seguir o caminho do dinheiro, a procuradoria possa encontrar políticos de alta plumagem do PSDB.
Souza dirigiu o Dersa nos governos tucanos de Geraldo Alckmin, em 2005 e 2006, e de Serra, de 2007 a 2010. Ele também é próximo do chanceler Aloysio Nunes (que foi chefe da Casa Civil de Serra). O engenheiro foi citado por delatores da Operação Lava Jato ligados às empreiteiras OAS e Andrade Gutierrez, e também pelo lobista Adir Assad. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, a propina paga ao engenheiro referente aos contratos do trecho sul do Rodoanel equivaleria a 0,75% do valor do contrato firmado pelo consórcio vencedor da licitação.
Assad diz que o engenheiro o teria convidado para participar de um esquema de propinas ligada ao grupo CCR, que teria garantido um caixa de 45 milhões de reais entre 2009 e 2012. Para provar, apresentou emails com combinações de notas e contratos superfaturados.
Atualmente ele é alvo de dois processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal nos quais também são investigados Nunes e Serra, ambos pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O senador tucano afirma que jamais “autorizou qualquer negociação ilegal em seu Governo”. Já Serra diz que os delatores que o mencionaram e também citaram Souza “certamente se concertaram para apresentar a mesma versão fantasiosa dos fatos com o objetivo de emprestar-lhe verossimilhança”.
Os documentos sobre as contas escondidas do engenheiro constam em um inquérito que apura apropriação indevida de pouco mais de 10 milhões de reais em dinheiro público entre 2009 e 2012, supostamente desviados de unidades da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo. Uma investigação sobre ele e eventuais crimes ligados aos tucanos teria o poder de mudar a narrativa do mundo político, que até hoje só vê blindagem sobre as suspeitas que cercam sempre o PSDB. A defesa do engenheiro afirma que ele “jamais pediu, exigiu ou solicitou qualquer valor para quem quer que seja”, e que a menção de seu nome por delatores “se deve ao fato de nunca ter cedido às pressões das chamadas grandes empreiteiras que pretendiam exercer o monopólio e ditar regras”.
Seus advogados também afirmam que ele não possuía poder decisório sobre questões de licitação, e dizem que ele não é titular ou beneficiário de nenhuma conta no exterior atribuída a ele. Daniel Bialski, um dos defensores de Souza, diz que não foram “apresentados documentos que comprovem a titularidade das contas”, mas faz a ressalva de que existem documentos que “não foram exibidos para a defesa”. As autoridades suíças afirmam que os extratos e documentos das contas serão enviados em breve para a Justiça brasileira, após um acordo de colaboração bilateral firmado pelos Ministérios Públicos dos dois países.
Mas depois do episódio do dinheiro da campanha de Serra que teria sido embolsado por Souza, paira no ar no mundo político a suspeita de que o engenheiro guarde segredos valiosos para o partido. Isso porque dias após a derrota nas eleições de 2010, Serra concedeu uma entrevista na qual tentou se distanciar do ex-diretor do Dersa. Em entrevista o tucano afirmou não saber “quem é Paulo Preto”: “Nunca ouvi falar dele”. A resposta do engenheiro veio um dia depois. Em uma mensagem interpretada como uma possível ameaça, Souza disse à Folha de S.Paulo que Serra o “conhecia muito bem (...) não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada, não cometam esse erro”. Diante da frase, Serra recuou e saiu em defesa de Souza: “Evidentemente (...) sabia do trabalho do Paulo Souza, que é uma pessoa muito competente. A acusação contra ele é injusta, ele é totalmente inocente”.
Nas mãos de Gilmar Mendes
A jurisdição dos processos envolvendo Souza também é motivo de debate. Atualmente ele é investigado em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal: um que envolve Gilberto Kassab (PSD), e outro do qual fazem parte os tucanos Serra e Aloysio. Mas o Ministério Público Federal também investiga o engenheiro em um caso que tramita na Justiça de São Paulo. A defesa de Souza peticionou ao STF que o caso fique nessa Corte, uma vez que tem relação com pessoas com direito a foro privilegiado. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra o pedido dos advogados. A decisão final sobre o assunto caberá ao ministro Gilmar Mendes, alvo de críticas frequentes de seus opositores e de juristas por ter ligações pessoais com políticos tucanos, além de, nas palavras de seu colega o ministro Luís Roberto Barroso, “trocar mensagens amistosas com réus”. Em conversa grampeada pela Procuradoria Geral da República Mendes discute com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobre um eventual apoio ao projeto de lei contra o abuso de autoridade por parte do Ministério Público.
Souza também tem a seu favor a possível prescrição dos crimes. Prestes a completar 69 anos em março, ele fica a um aniversário da redução do prazo prescricional pela metade. Mas se as informações do Ministério Público suíço forem consideradas válidas pela Justiça, o ex-diretor do Dersa teria movimentado as contas – de bancos no país europeu para as Bahamas – em 2017, ou seja, durante as investigações. Isso poderia fazer com que a Justiça considerasse que ele tentou obstruir a apuração dos fatos e continuou cometendo um delito, o que poderia dificultar a prescrição, como já ocorreu em outros casos semelhantes. Em nota o Dersa afirmou que junto com o Governo do Estado é “grande interessado no andamento das investigações e ressarcimento de eventuais danos que venham a ser apurados”.
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