Presidente ocupou duas vezes o cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, nos anos 1980 e 1990. Gestões foram marcadas por explosão de índices de homicídios e conflitos com delegados.
Ao decretar uma intervenção no Rio de Janeiro e criar o Ministério da Segurança Pública, o presidente Michel Temer colocou o combate ao crime no topo da agenda do seu último ano de governo. O assunto não é novo para o político veterano, que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo em duas ocasiões, nos anos 1980 e 1990.
Em maio de 2016, logo após assumir interinamente a Presidência, Temer fez questão de lembrar sua experiência na área: "Fui secretário de Segurança duas vezes e tratava com bandidos. Então, eu sei o que fazer no governo."
No entanto, suas duas gestões na área foram marcadas pela explosão nos índices de homicídios, conflitos com delegados e promessas não cumpridas. Elas também evidenciaram um padrão da sua futura carreira na política: o papel de substituto. Temer nunca foi a primeira opção, mas acabou herdando o cargo de secretário quando seus antecessores pediram demissão ou não tinham mais condições de permanecer à frente da pasta.
1984-1986: homicídios em alta e conflitos
Em janeiro de 1984, o governador de São Paulo, Franco Montoro (PMDB), havia perdido o segundo secretário de Segurança desde o início da sua gestão, iniciada apenas dez meses antes. O mais recente titular do cargo, Miguel Reale Jr. – que 30 anos depois seria um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff –, abandonou o posto alegando problemas pessoais.
Para o cargo, Montoro transferiu Temer, então procurador do Estado – e sem nenhuma experiência em segurança pública. Ao assumir, Temer fez declarações de efeito. Disse que iria ter tolerância zero com a corrupção policial: "Se eu tiver conhecimento dela, haverá punição imediata."
Ele também prometeu ser duro: "A polícia responderá com energia à violência do marginal. Ninguém desejará que no eventual confronto com a delinquência a polícia não responda com as mesmas armas e com firmeza. É violento o confronto."
Ao mesmo tempo, declarou que sonhava com o dia em que a polícia não precisasse mais usar armas e propôs a legalização do jogo do bicho.
Temer ficou no posto por dois anos. Colecionou algumas iniciativas que ainda são propagandeadas em suas biografias oficiais em sites do governo, como a criação da primeira delegacia da mulher do Brasil e a implementação de uma delegacia de direitos autorais. Forçou ainda mudanças na aposentadoria dos delegados com o objetivo de renovar a Polícia Civil.
Mas pouco fez para frear a tendência de crescimento da violência no Estado. Em 1983, São Paulo registrou uma taxa de 21,9 homicídios por 100 mil habitantes. No final de 1985, seu segundo ano no cargo, a taxa havia saltado para 25,1 – um total de 8.213 assassinatos. Na região metropolitana da capital paulista, o crescimento também foi dramático, de 30,4 em 1983 para 35,3 por cada grupo de 100 mil habitantes em 1985.
Temer chegou a culpar a pornografia pelos números alarmantes. "A divulgação do chamado sexo explícito, tanto no cinema quanto em meios escritos, atua como elemento de incentivo ao crime, já que essas mensagens atingem, sobretudo, as pessoas carentes, econômica e emocionalmente", disse Temer em 1985, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
No período, o então secretário ainda enfrentou o que provavelmente foi o primeiro movimento "Fora Temer", conduzido por um sindicato de delegados, insatisfeito com a falta de aumento salarial e com mudanças na estrutura das polícias.
Em 1985, durante uma assembleia da categoria, chegou a ser chamado de "secretário sinistro". Uma carta oficial assinada por centenas de delegados exigiu sua demissão, mas Montoro se manteve firme e defendeu seu secretário. Temer só viria a deixar o posto no ano seguinte para lançar sua pré-candidatura como deputado constituinte.
1992-1993: o conciliador do pós-massacre
Em outubro de 1992, Temer voltou a seguir o roteiro de oito anos antes: foi deslocado da procuradoria do Estado para a Secretária de Segurança Pública. Desta vez, em meio a um quadro mais dramático. Seis dias antes de reassumir o posto, policiais mataram 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo. Era o massacre do Carandiru. O então governador Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB) demitiu o secretário Pedro Franco de Campos e pediu que Temer ajudasse a recuperar a imagem da polícia.
Ao assumir o posto, Temer falou da importância de se investigar o episódio, mas suas energias foram mesmo canalizadas para acalmar os oficiais da PM, que temiam que o massacre prejudicasse a corporação. O secretário manteve o comandante-geral da PM no cargo e disse em um encontro com oficiais que a PM não seria "julgada por nenhum episódio isolado". O secretário não tomou nenhuma iniciativa para punir os envolvidos. O caso permaneceu nas mãos da Justiça Militar, que conduziu vagarosamente um inquérito até 1996, quando os autos foram remetidos para a Justiça comum.
Um ano depois do massacre, Temer ordenou que a Rota, uma das unidades que participou do massacre, voltasse às ruas com mais vigor. "Os bandidos parecem estar pensando que podem agir sem serem molestados", disse.
Ao assumir a pasta, Temer também declarou que os policiais envolvidos no Carandiru precisavam de repouso: "Os militares envolvidos em confrontos como os do Pavilhão 9 da Casa de Detenção merecem repousar, merecem descansar e ser submetidos a tratamentos psicológicos. O choque do dia a dia é uma tarefa ingrata e eles precisam de repouso e meditação", disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.
Apesar do tom aparentemente cínico, a declaração foi seguida pela implantação de um programa que determinou a suspensão por até 30 dias de policiais envolvidos em tiroteios e a oferta de acompanhamento psicológico. A letalidade policial caiu. Em 1992, a polícia paulista havia matado 1.470 pessoas em ocorrências. No ano seguinte, o total caiu para 409.
Temer ficou à frente da pasta até novembro de 1993. O sucesso na redução de mortes provocadas pela polícia não foi replicado em outras áreas. Tal como ocorreu na gestão anterior, a taxa de homicídios continuou nas alturas. Foram 11.073 assassinatos em 1992, ou 28,2 por cada cem mil habitantes. No final de 1993, o índice continuou o mesmo: 28,2 no Estado e 39,9 na região metropolitana.
Os homicídios continuariam a crescer dramaticamente até o final dos anos 1990, atingindo 44,1 no Estado e 63,5 na região metropolitana de São Paulo em 1999. Só começariam a cair nos anos 2000. Em 2016, 13 anos depois de Temer deixar a pasta, a taxa foi de 9,5 assassinatos por 100 mil habitantes.
Ainda no período de Temer à frente da secretaria, a administração das prisões de São Paulo deixaram de ser atribuição da pasta, passando a ser responsabilidade da nova Secretaria da Administração Penitenciária. A nova pasta foi pioneira no Brasil, mas logo colecionaria críticas diante da perda do controle dos presídios para facções criminosas, como Primeiro Comando da Capital (PCC), no final dos anos 1990.
As passagens de Temer pela secretaria também renderiam material para um futuro escândalo. Quando assumiu a pasta durante o governo Montoro, Temer se aproximou do coronel da PM João Baptista Lima Filho, que viria a se tornar seu amigo e assessor durante a gestão. Lima foi citado na delação da JBS como intermediário de propinas de Temer e ainda foi acusado de envolvimento no pagamento ilegais relacionados à construção da usina nuclear de Angra 3.
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