Para os brasileiros que têm acesso a água e esgoto, tarifa chega a mais que dobrar de um estado para o outro. Desperdício e má gestão prejudicam abastecimento e fazem recurso cada vez mais escasso encarecer.
Na comunidade rural onde Maria Conceição mora, no sertão de Pernambuco, caixa d'água cheia é luxo. Ainda sob o efeito da seca dos últimos anos e sem abastecimento de caminhão-pipa há três meses, os moradores recorreram a uma fonte clandestina: um canal da transposição do rio São Francisco que corre a poucos metros das casas.
O dono da bomba que tira a água é morador local – o que o faz um dos mais respeitados na comunidade. O abastecimento ilegal funciona só à noite, e é possível contratar o serviço para encher os 16 mil litros da caixa por 30 reais.
"Nem todo mundo pode pagar. Mas dá pra comprar fiado", contou Maria. Os quatro moradores da casa, entre eles um filho especial e o marido doente, consomem os 16 mil litros em um mês. Usam a água, sem qualquer tratamento, para cozinhar, tomar banho e regar a pequena roça atrás da casa.
Para os brasileiros que têm acesso à infraestrutura de saneamento básico e água, o preço do serviço prestado por uma operadora de água pode mais que dobrar de estado para estados. O Pará tem a tarifa mais baixa do país: uma caixa d'água de 16 mil litros cheia sai por 33,44 reais. Goiás é o estado da água mais cara, 83,04 reais.
O Distrito Federal, palco do 8˚ Fórum Mundial da Água – que teve início neste domingo (18/03) – vem em segundo lugar (75,84 reais). Mas não há dinheiro que garanta caixa d'água cheia em Brasília. Há um ano, a escassez impôs um racionamento que prevê apenas quatro dias de abastecimento normalizado para 85% da cidade.
Mais longe e mais caro
Para abastecer Brasília, a operadora local precisa buscar água cada vez mais longe. "Isso gera uma série de esforços, tanto no dia a dia operacional para fazer o abre e fecha dos registros, como para tocar obras para implantação de novas unidades de captação de água", afirma Maurício Luduvice, presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb).
Colocar água "nova" no sistema encarece a operação. "Como todas as regiões metropolitanas, estamos sendo obrigados a buscar água a uma distância maior", confirma o presidente da Caesb, que agora capta água em Goiás.
Por enquanto, ainda não se sabe quanto isso vai afetar os custos operacionais, tampouco quando o abastecimento voltará à normalidade.
Ao mesmo tempo, o desperdício no sistema, antes de a água chegar
às torneiras dos consumidores, ainda é grande. A média no Brasil é de 38,1%, apontam dados de 2016 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Quem usa mais
De toda a água captada no Brasil, 67,2% são destinados à agricultura, segundo informações da Agência Nacional de Águas (ANA). O país está entre os de maior área de irrigação do planeta.
"Esse é o número de pedidos, de autorizações para uso destinado à agricultura. Não quer dizer que consumimos toda essa água", argumenta Nelson Ananias Filho, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Sobre a alta participação da agricultura no consumo nacional, Ananias Filho afirma: "A atividade agropecuária não disputa com outros usos que são prioritários: o abastecimento urbano e dessedentação animal."
A água corresponde a cerca de 20% do custo total de produção na agricultura. "Botar água na hora certa no lugar certo é muito caro. A estrutura de bombeamento, energia elétrica e equipamentos custa caro. Se uso mais água do que preciso, o custo aumenta", afirma Ananias Filho, argumentando que o setor não usa mais que o necessário.
"De forma geral, esse percentual de consumo que o setor agrícola tem no Brasil é observado em todas as partes do mundo", comenta Adilson Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). "Mas ainda há espaço para ganho de eficiência. Quanto mais tecnológico for o setor da agricultura, menor será o consumo de água."
Onde há mais atraso
No setor de saneamento básico, os atrasos são marcantes e poluentes. "Esse setor é hoje um dos grandes responsáveis pela má qualidade das águas", analisa Pinheiro, da ABRH.
Nas contas de Pedro Scazufca, economista da da GO Associados e parceiro da ONG Trata Brasil, são necessários atualmente 450 milhões de reais para garantir saneamento básico a todos os brasileiros.
"O plano nacional, lançado em 2013, era universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Atualmente, o investimento está 25% abaixo da meta. Nesse ritmo, a universalização só será alcançada em 2054", estima.
O custo da falta de saneamento é alto. Uma pesquisa feita pelo Trata Brasil mostrou que cidades com piores indicadores chegam a gastar cinco vezes mais com saúde.
Água e lucro
Cada vez mais cara, a água vai ficando menos disponível para o consumo. Até 2050, um terço da população mundial sofrerá com a escassez de água, projeta a ONU.
As disputas já deixam diversos grupos para trás, aponta Natália Dias, do comitê USP pela água e integrante do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).
"Frente às grandes corporações que têm interesses em lucrar com serviços em torno da água, nós formamos uma rede com ONGs, movimentos sociais, sindicatos, ribeirinhos, indígenas que são contra a mercantilização. Água é direito, e não uma mercadoria", diz.
Na visão do fórum, a atuação de corporações nos bastidores limita o acesso à água e aumenta a distância entre os que podem e não podem pagar.
Por outro lado, os custos operacionais não podem ser ignorados, pontua Pedro Jacobi, pesquisador e presidente do Iclei Brasil (Governos Locais pela Sustentabilidade). "Água é um bem. E tem um custo. Mas não queremos que água seja um bem trocado por interesses econômicos", afirma.
Jacobi ressalta que água é um recurso escasso, que precisa de um manejo mais racional e equitativo e deve ser acessível para todos os seguimentos da sociedade. "E quem usa mais tem que pagar mais", considera.
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