O crime de enriquecimento
ilícito poderá ser incluído na legislação penal brasileira para punir
servidores públicos que acumulem patrimônio em padrão incompatível com sua
remuneração ou outras fontes lícitas de renda. Depois de intenso debate na
manhã desta segunda-feira (23), a Comissão Especial de Juristas instituída pela
Presidência do Senado para apresentar um anteprojeto de novo Código Penal
decidiu tipificar o delito e sugerir a aplicação de pena de reclusão de um a
cinco anos, além do confisco dos bens e valores.
É um momento histórico na
luta contra a corrupção no Brasil: criminalizamos a conduta do funcionário
público que enrique sem que se saiba como, aquele que entra pobre e sai rico.
Agora temos um tipo penal esperando por ele – comemorou ao fim da reunião o
relator da comissão, procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Na opinião do relator, o
país necessita da previsão do crime de enriquecimento ilícito para avançar no
combate à corrupção com efetividade, atendendo um “clamor social”. Conforme
disse, é uma forma de alcançar o servidor com patrimônio incompatível com o que
ganha licitamente, quando o crime anterior - normalmente a corrupção - ficou de
fora do alcance da lei.
A corrupção é um crime que
acontece às escondidas, nos corredores mal iluminados. Quem compra um
funcionário público e quem se deixa comprar não quer contar para ninguém. O que
nos fizemos foi alcançar a conseqüência desta compra ilícita – argumentou.
Nos crimes contra
administração, temática da pauta do dia da comissão de juristas, a legislação
adota conceito abrangente de funcionário público. O conceito serve a pessoa que
exerça qualquer cargo, emprego ou função pública, em qualquer nível ou Poder,
inclusive para quem exerce atividade de forma temporária ou cargo eletivo.
Laranja
Como previsto pela comissão,
a pena para enriquecimento ilícito ainda será aumentada, da metade do tempo até
dois terços, quando o autor do crime usar nome de terceira pessoa para esconder
os bens ou valores obtidos de forma criminosa. Ou seja, pegará pena maior quem
usar o popular ‘laranja’ para ocultar patrimônio obtido de forma ilícita.
No processo, o ônus da prova
ou demonstração de incompatibilidade entre renda e patrimônio será da acusação
e denúncia deverá ser feita via representação Ministério Público. Manter
inalterado o ônus da prova foi ponto defendido por alguns debatedores como
garantia para evitar acusações infundadas. A redação para definir o novo tipo
também exigiu cuidadosa negociação, para evitar situações arbitrárias.
Tratados
internacionais
Assim que o debate foi
iniciado, a inovação foi defendida pelo presidente da comissão, o ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Ele salientou que o crime de
enriquecimento ilícito é previsto em convenção da Organização das Nações Unidas
(ONU) contra a Corrupção. Lembrou que também há um tratado no âmbito da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Temos que dar efetividade
aos tratados e convenções internacionais – apelou o ministro, salientando que
os protocolos foram ratificados pelo Congresso, contando com força de lei.
O advogado Nabor Bulhões foi
quem mais resistiu à inclusão do novo tipo penal na legislação brasileira.
Conforme Bulhões, a doutrina jurídica não comporta a conduta agora sugerida: o
enriquecimento ilícito seria a consequência material de crime anterior (por
exemplo, a corrupção). Portanto, o novo tipo seria uma distorção, podendo ser
definido como “crime de mera suspeita”.
O enriquecimento ilícito é o
resultado de crime, e não um crime em si – argumentou.
Bulhões disse que teve o
cuidado de examinar a legislação de diferentes nações, tendo comprovado que
nenhum país da Comunidade Européia tipificou esse crime. Conforme o advogado,
os Estados Unidos e o Canadá assumiram a mesma conduta. O ministro Dipp, por
sua vez, observou que praticamente todos os países latino-americanos já possuem
o novo tipo penal. A seu ver, nada impede o Brasil de seguir o mesmo caminho.
É uma opção política do
legislador – opinou o ministro.
Corrupção
ativa e passiva
Outra medida incluída no
anteprojeto é o fim da distinção entre os crimes contra a administração pública
praticados por funcionários públicos, de um lado, e aqueles cometidos por
particulares, de outro. A medida foi proposta pelo relator Luiz Carlos
Gonçalves.
O relator lembrou quea
distinção data de 1940 e resultou na “cisão” entre os crimes de corrupção
passiva (praticada por funcionário público) e de corrupção ativa (praticada por
particular), que seriam na verdade "condutas de colaboração umas com as
outras”.
Essa distinção é sede de
confusão e não se justifica. É uma tradição que mais atrapalha do que ajuda –
disse.
Para Luiz Flávio Gomes, que
também é integrante da comissão de juristas, o fim da distinção tornaria mais
fáceis o entendimento e a aplicação da lei.
Luiza Nagib Eluf, por outro
lado, afirma que a mudança proposta por Luiz Carlos também pode levar a
confusões. Ela não é contra o fim da distinção entre corrupção ativa e passiva,
mas receia que o novo texto “misture o crime de corrupção, seja passiva ou
ativa, com o crime de concussão”. O código atual distingue corrupção ativa,
corrupção passiva e concussão. Luiza argumentou que corrupção e concussão são
figuras distintas que não devem ficar no mesmo artigo.
Tem de ficar claro que a
concussão é uma extorsão praticada pelo funcionário público contra o
particular, que é a vítima – argumentou.
O risco, segundo ela, é
induzir a opinião pública a acreditar que o particular também é culpado no
crime de concussão, que é uma extorsão praticada pelo funcionário público.
Com Informações de
Gorette Brandão, Ricardo Koiti Koshimizu
Agência Senado
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