Expansão da internet e da economia ajudaram brasileiros a tomar gosto pela hospedagem temporária |
Até há pouco tempo, a
ideia de viajar e se hospedar na casa de um morador, e não em um hotel, era
vista por muitos brasileiros como coisa de "gringo maluco". Receber
um turista na própria residência, então, era algo inimaginável.
Mas o aluguel de imóveis ou de quartos por períodos curtos
vem crescendo no país nos últimos dois anos - e teve um salto nos últimos meses
por conta da Copa de 2014.
Fatores como o crescimento econômico, a expansão da internet
e o fortalecimento da classe média têm causado uma mudança cultural entre os
brasileiros, que vêm abrindo sua casa cada vez mais para os turistas,
especialmente os estrangeiros.
Sites especializados nesse tipo de hospedagem
"explodiram" seus acesso no país. Novos sites nacionais de aluguel de
temporada pipocam todos os dias. Já os estrangeiros vem investindo pesado -
como o Windu, que lançou versão em português - e o Airbnb, referência no setor,
que até abriu escritório em São Paulo no ano passado.
Receber bem
"Todo mundo falava que o site não ia decolar aqui pela
falta de confiança entre os brasileiros. Também achavam que o brasileiros
jamais abriria a porta da sua casa para os turistas", disse à BBC Brasil
Christian Gessner, diretor-geral do Airbnb no Brasil.
Rio é o destino mais procurado por estrangeiros em busca de quartos e imóveis |
Segundo Gessner, o sucesso do site no país se deve
especialmente à boa hospitalidade local. "Brasileiros sabem receber pela
própria natureza", disse, citando uma senhora curitibana que, mesmo sem
falar francês, ajudou seu hóspede a ligar para a companhia aérea que havia
perdido sua mala.
"Ela usou o o Google Translate e resolveu o problema. E
essa prontidão em ajudar garantem a satisfação do hóspede, fazendo os
anfitriões brasileiros serem muito bem avaliados no site e, claro, fazendo a
procura no Brasil crescer mais e mais".
Mudança de cultura
Mas se essa hospitalidade entre os brasileiros não é algo
recente, por que sites como o Airbnb "explodiram" só agora?
Para Ricardo Uvinha, professor de Lazer e Turismo da USP,
essa mudança nos hábitos dos brasileiros foi provocada por uma conjunção de
fatores.
"A expansão da internet, inclusive pelo celular, foi crucial, porque as pessoas se informaram sobre a reputação desses sites, viram que é algo sério. Aliado a isso, temos o crescimento econômico e ascensão da classe média, que permitem por exemplo que a pessoa tenha um quarto ou um imóvel extra pra alugar."
Nada de hotel Hospedagens alternativas oferecem quase 59.713 leitos às capitais da Copa, sendo 3.491 nos chamados bed and breakfast e 22.478 em imóveis para aluguel Fonte: IBGE e Min. do Turismo
De fato, é possível encontrar quartos em casas mais humildes
e em bairros mais simples para alugar por temporada. "Assim como as
pessoas que tinham coberturas ou casonas e conheciam esse esquema de
hospedagem, a classe média também viu esse oportunidade de ganhar um dinheiro
extra."
Pé atrás
Para Francisco Barbosa do Nascimento, professor de meios de
hospedagem da faculdade de Turismo da Unesp, o pé atrás do brasileiro em
relação a essa prática não desapareceu.
"As pessoas continuam desconfiadas, mas se acostumaram
com a ideia porque viajam mais para fora do país e conhecem gente que usou
esses sites quando foi pra Europa, por exemplo", disse.
"Além de o brasileiro ter se tornado mais aberto a
isso, o crescimento dessa prática vem na esteira de uma ausência de meios de
hospedagem nas grandes cidades. Juntou o útil ao agradável."
Tanto para o hóspede, que não precisa gastar fortunas em
hotéis, como para os anfitirões, que fazem uma renda extra. Classe média viu
oportunidade de ganhar um dinheiro, casas pequenas, em bairros mais simples,
até em comunidades carentes.
Copa catalisadora
Governo incentiva porém não investe em hospedagens alternativas para a Copa |
A procura por quartos e imóveis no período do Mundial (em
junho e julho de 2014) vem fazendo os brasileiros crescerem os olhos - e os estrangeiros
também.
"O Rio é o destino de aluguel de temporada mais
procurado do mundo para Copa em nosso site", explica Blanca Zayas,
porta-voz no Brasil do TripAdvisor, famosos pela avaliação de hotéis feitas por
usuários, que também permite a realização de reserva de hotéis e imóveis de
curta temporada.
"Houve um crescimento de 200% na cidade para o meio do
ano que vem." Segundo Blanca, uma pesquisa recente do site indicou que um
turista viajando com a família ou amigos pode economizar até 46% no Rio ao optar
por alugar dois quartos ou um imóvel em vez de se hospedar em um hotel.
Oportunidade perdida?
No entanto, a Copa poderia ter ajudado muito mais a
impulsionar essa modalidade de hospedagem no país, segundo Ricardo Uvinha,
professor da USP.
"Na Copa da África do Sul, também havia um déficit de
leitos. O governo percebeu a força desse tipo de acomodação, abriu uma linha de
financiamento com um valor equivalente a R$ 48 milhões e surtiu efeito",
diz.
Tendência Em 2012, do total de visitantes internacionais (5,67 milhões) que estiveram no país, quase a metadedeles (44,2%), ou seja, 2,5 milhões escolheramficar em hospedagens alternativas - e as casasalugadas representam 11,9%, ou 675,4 mil turistas.Fonte: IBGE e Min. do Turismo
Segundo ele, o governo brasileiro está perdendo essa oportunidade ao investir apenas na hotelaria tradicional - O BNDES liberou R$ 1 bilhão para esse setor. "Se investíssemos mais em aluguel de temporada e afins, poderíamos minimizar riscos de falta de leitos. No Rio, para a Copa, temos um colapso anunciado."
"A Copa das Confederações (em junho) foi um bom
termômetro. Tivemos 42%, um número expressivo, dos turistas se hospedando em
locais alternativos, em vez de hotéis tradicionais."
Segundo o Ministério do Turismo, o governo tem feito estudos
que revelaram a importância desse setor e incentiva as hospedagens não
tradicionais, mas por enquanto não há incentivos financeiros para a área.
"O Ministério do Turismo entende que a oferta de
hospedagem alternativa é fundamental para um mercado mais competitivo e que
elas são uma boa opção para hospedar os turistas estrangeiros."
Futuro
A questão agora é saber se os sites como o Airbnb vão
continuar em alta no Brasil após a Copa do Mundo.
Gessner, diretor do site no Brasil, acredita que é uma
tendência que veio para ficar no país, ainda mais com a expectativa do
crescimento do turismo para os próximos anos. "O brasileiro já pegou gosto
por hospedar as pessoas."
O professor da USP, Ricardo Uvinha, concorda, citando o fato
de ser crescente no país a chamada economia do compartilhamento - que incluiu
esses sites de hospedagens e outros como os de compra coletivas.
Já Francisco Nascimento, da Unesp, é mais cético.
"Depois da Copa, vai cair muito, pois o preço dos hotéis de luxo vai cair,
puxando para baixo o preço dos hotéis mais básicos e dos estilo bed and
breakfast, fazendo com que o aluguel de temporada na casa das pessoas não valha
a pena."
Mariana Della Barba
Da
BBC Brasil em São Paulo
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