Nesta entrevista concedida a BBC O prefeito de São Paulo Fernando Haddad esclarece as dificuldades em governar uma das metrópoles importante do país. Haddad critica, analisa, e direciona políticas publicas para um futuro promissor para o município. Confira na integra a reportagem de Maurício Moraes da BBC Brasil. (Nota do Editor)
'Hoje infelizmente temos um poder econômico amesquinhado', disse Haddad |
Os
13 primeiros meses da gestão de Fernando Haddad (PT) à frente da mais rica
cidade do país parecem ter sido mais difíceis do que ele imaginava.
O
prefeito foi um dos alvos dos protestos de junho do ano passado, quando
milhares de pessoas tomaram as ruas após o estopim causado pelo aumento da
tarifa dos ônibus municipais, que ele próprio havia autorizado.
Sua
baixa popularidade prosseguiu pelo menos até o último levantamento do
Datafolha, divulgado em dezembro, que indicou que apenas dois em cada dez paulistanos
aprovavam seu governo.
Além
disso, Haddad também não conseguiu fazer valer um reajuste do Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) para este ano, o que agravou ainda mais a já
calamitosa situação financeira da cidade, que deve à União mais do que um ano
inteiro de seu orçamento.
Haddad
recebeu a reportagem da BBC Brasil em uma manhã de calor escaldante na sala de
almoço de seu gabinete, no centro de São Paulo. Em quase uma hora de conversa,
o prefeito mostrou entusiasmo com o novo Plano Diretor da cidade, que considera
“revolucionário”, e fez duras críticas à elite paulistana, a quem chamou de
“pobre de espírito”.
“(Hoje
temos) uma elite míope, fazendo carga no Congresso para não votar a
renegociação da dívida. (Temos) dezenas de editoriais nos jornais contra a
renegociação da dívida”, disse.
Dívida
Com
a maior arrecadação do país, São Paulo vê boa parte de seu orçamento seguir
para o pagamento de juros de sua dívida com a União. A capital paulista deve R$
59 bilhões ao governo federal, o que equivale a mais de um ano do orçamento da
prefeitura, de R$ 50 bilhões.
Assim
que venceu as eleições em 2012, Haddad seguiu a Brasília, na tentativa de
renegociar a dívida que se arrasta por décadas com a ex-chefe, a presidente
Dilma Rousseff, de quem foi ministro da Educação. Até o momento, nada
conseguiu.
Os
termos que vigoram preveem juros de 9% ao ano. A dívida só cresce e é
considerada impagável pela administração municipal. O ex-secretário municipal
de Finanças, Mauro Ricardo, calculou em certa ocasião que até 2030, São Paulo
terá pago R$ 170 bilhões e ainda ficará devendo R$ 215 bilhões à União. Mas
Haddad não se dá por vencido.
“Eu
termino meu mandato com isso renegociado. Tenho quase certeza disso”, disse o
prefeito. Haddad talvez tivesse certeza absoluta não fosse o impacto que a
renegociação traz ao balancete da União, mais especificamente no fechamento das
contas do superávit primário.
Com
o governo federal fazendo malabarismos para atingir a meta de economia, a
renegociação da dívida paulistana e de outros municípios enfrenta obstáculos
maiores que o bom relacionamento de Haddad com Dilma.
'Decadência
paulistana?'
Haddad disse que a cidade ganhará uma 'nova cara' em 50 anos com um Plano Diretor 'revolucionário' |
Questionado
pela reportagem se São Paulo não teria entrado em um ciclo de “decadência” nos
últimos anos, ao ver limitado o seu poder de investimento em um momento que o
país e outras regiões, como o Rio de Janeiro, tiveram crescimento expressivo,
Haddad disse que, se quisesse, “São Paulo poderia ser uma Xangai”.
A
referência à segunda maior cidade da China se explica pelo fato de Xangai ter
se reinventado e se tornado uma cidade rica e globalizada nas últimas três
décadas. “Não há cidade no mundo, em um país continental como o Brasil, que
responda a 12% do PIB” como São Paulo, disse.
Mais
uma vez, Haddad criticou a “falta de comprometimento” da elite econômica da
cidade e disse que é preciso evitar que São Paulo se torne uma arena entre “PT
e PSDB”.
“Nós
não temos em São Paulo um (Michael) Bloomberg (magnata e ex-prefeito de Nova
York) que botou do bolso US$ 650 milhões em Nova York. Aqui não tem um
empresário que tenha esse desprendimento”, criticou.
Para
Haddad, a elite ilustrada, que tomava iniciativas como construir um museu como
o Masp para deixar de legado à cidade, é coisa do passado. “Hoje infelizmente
temos um poder econômico amesquinhado e empobrecido do ponto de vista
espiritual, mas muito rico do ponto de vista material”, disse.
'Plano revolucionário'
O
tom crítico do prefeito se esvai quando ele fala do Plano Diretor, atualmente
em discussão na Câmara Municipal.
Haddad
diz que a cidade vai ganhar “um desenho urbano que não se tem desde os anos
1930”, quando o então prefeito Prestes Maia construiu o sistema de avenidas que
hoje dá forma à região central.
Mas
como garantir o sucesso do Plano Diretor com recursos públicos limitados para
investimento?
“A
grande vantagem do Plano Diretor é que ele organiza o investimento privado.
Hoje o investimento privado faz o que quer na cidade. Constroi onde quer.
Destrói bairros e cria verdadeiros paliteiros de prédios enormes. Sobrecarrega
a infraestrutura da cidade. Nós estamos ordenando a ocupação territorial de
maneira revolucionária”, diz Haddad.
As
diretrizes do novo Plano Diretor prevem o adensamento de regiões próximas de
estações de metrô e corredores de ônibus, limitando a construção no centro dos
bairros.
O
plano também prevê o adensamento do entorno das marginais Pinheiros e Tietê, o
chamado “Arco do Futuro”, que prevê a instalação de empresas e criação de
trabalho em regiões hoje predominantemente residenciais, como a zona leste
paulistana.
Haddad
defendeu ainda os corredores de ônibus e o bilhete único mensal (por meio do
qual os paulistanos poderão, pagando uma quantia fixa por mês, fazer uso
ilimitado do transporte coletivo). Questionado se teria vindo trabalhar de
ônibus naquela manhã, o prefeito disse colocou “o pé no freio” após problemas
de segurança, que não comentou.
Haddad
destacou ainda o que vê como realizações de seu governo: exaltou a criação da
Corregedoria Municipal, de uma política para usuários de drogas na Cracolândia,
citou a construção de calçadas na periferia, dos avanços na educação e na
saúde, citando uma série de dados de cabeça, como sempre ocorre aos políticos.
Mas,
se por um lado, tais feitos não foram capazes de garantir mais apoio ao
prefeito entre os paulistanos, por outro Haddad disse “não se importar” com a
popularidade.
“Quero
fazer as coisas para o médio e longo prazo”, disse, em um tom quase quixotesco.
Política
Apesar
de arremeter contra a elite econômica da cidade, Haddad se mostrou diplomático
ao fazer críticas ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), com quem disse ter “uma
boa relação institucional”.
É claro que eu posso ter uma opinião
(sobre o Mensalão), se foi um
julgamento de exceção ou não, mas
isso eu reservo para mim."
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O
prefeito evitou fazer comentários sobre o escândalo do cartel do metrô, que
joga suspeitas de corrupção sobre lideranças do PSDB. “Tenho acompanhado pelo
jornal”, desconversou.
Ao
ser questionado sobre o Mensalão, Haddad também preferiu a diplomacia. Ele não
respondeu se concorda com a tese de alguns petistas de que lideranças como José
Dirceu e José Genoíno seriam “presos políticos” após um julgamento considerado
de “exceção”.
“No
Brasil temos separação de poderes”. “Não tenho condições de, como chefe do
Executivo Municipal, julgar o Supremo Tribunal Federal. É uma falha
institucional se eu fizer isso”.
“É
claro que eu posso ter uma opinião se foi um julgamento de exceção ou não, mas
isso eu reservo para mim”, disse, rapidamente mudando o tema da conversa.
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