Ex presidente João Goulart |
Leandro Melito - Portal EBC
Há
exatamente 50 anos, um episódio que teve importância no golpe de 64 aconteceu
no Brasil. No dia 13 de março de 1964, o então presidente João Goulart realizou
comício na Central do Brasil, região central do Rio de Janeiro, para defender
as reformas de base propostas por seu governo. Cerca de 200 mil pessoas
acompanharam o discurso que foi encerrado com as seguintes palavras: "Não
apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma
eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os
brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça
social e pelo progresso do Brasil".
À época, um grupo de sindicalistas
comunistas e trabalhistas tomou a frente da organização do evento. Entre eles,
estavam o deputado Hércules Corrêa, que foi fundador e dirigente do CGT
(Comando Geral dos Trabalhadores) e Paulo Mello Bastos, diretor da Confederação
Nacional dos Trabalhadores de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos. Bastos
também era secretário político do CGT.
Cerca de 200 mil pessoas se reuniram na Central do Brasil
para ouvir o discurso de Jango em defesa das reformas de
base (Arquivo
Nacional / Correio da Manhã)
|
O evento, que estava sendo anunciado pelo governo
desde janeiro de 1964, reuniu cerca de 200 mil pessoas e foi transmitido ao
vivo por rádio e TV para todo o país. Por volta das 14h daquele dia 13 de
março, cerca de 5 mil pessoas já se concentravam para o comício do presidente
João Goulart na Praça Cristiano Ottoni, Rio de Janeiro, nas imediações da
Central do Brasil e do Ministério da Guerra.
Antes de seguir para o palanque, João Goulart
assinou, no Palácio das Laranjeiras, o decreto da Supra (Superintendência de
Reforma Agrária) - que autorizava a desapropriação de áreas ao longo das
ferrovias, das rodovias, das zonas de irrigação e dos açudes – e o decreto que
encampava as refinarias particulares de petróleo.
O comício teve início às 18h. Jango subiu ao
palanque às 19h45 e começou seu discurso exatamente às 20h46 após a fala do
então presidente da UNE, José Serra, do governador de Pernambuco na época,
Miguel Arraes, e do deputado Leonel Brizola. Tendo ao seu lado direito a esposa
Maria Thereza, Jango falou de improviso durante pouco mais de uma hora. Ele
fazia algumas pausas no discurso para passar um lenço no rosto. Eram nesses
momentos em que o ministro da Casa Civil, Darcy Ribeiro, aproveitava para
sussurrar observações e orientações como, por exemplo, “fale mais devagar,
presidente”.
Assista a trecho do discurso retirado do filme Jango de Silvio Tendler
Em seu discurso, Jango falou sobre a
mensagem que seria encaminhada ao
Congresso e explicou os decretos que havia
assinado. Confira trechos do discurso
Jango defende as reformas de base na Central do Brasil
no dia 13 de março de 1964 (Arquivo Nacional / Correio
da Manhã)
|
Encampação
das refinarias
Mas
estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo
brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso
apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações
populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer
abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também,
trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar,
interpretando os sentimentos nacionalistas destes país.
Acabei
de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de
encampação de todas as refinarias particulares.
A
partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as
refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio
Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio
nacional.
Procurei,
trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos,
depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei
que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também
continua imortal em nossa alma e nosso espírito.
Decreto da Supra
O
que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de
desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias,
açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da
União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda
submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não
é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de
saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderaram
das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70
bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela
multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.
Não
o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em
todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras
abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo. Reforma agrária com
pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é
reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário,
radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da
Supra não é a reforma agrária.
Sem
reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a
Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela
cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas
nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
Mensagem ao Congresso
Na
mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente
consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é
exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma
eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18
anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que
lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil.
Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático
fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também
está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada
pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem
estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares
nacionalistas.
Comício fazia parte de nova
estratégia
Após
tentar implementar sem sucesso as reformas por meio de um acordo entre o seu
partido Partido Trabalhistra Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático
(PSD), de Juscelino Kubitschek - de quem foi vice-presidente – Jango decidiu se
aliar às esquerdas em uma estratégia de mobilização popular que teria início
com o comício da Central no dia 13. Três dias antes do comício, o PSD havia rompido
formalmente com o governo.
A
nova estratégia consistia na mobilização popular por meio de uma série de
comícios que seriam realizados em diferentes regiões do país e que culminariam
em uma greve geral no dia 1º de maio, como forma de pressionar o Congresso pela
aprovação do projeto de reformas anunciado durante o comício e encaminhado
formalmente ao Legislativo dois dias depois.
Para
isso, Jango contava com as forças que apoiavam as reformas; o CGT o PCB
(Partido Comunista Brasileiro e a Frente de Mobilização Popular (FMP), formando
a Frente Única de Mobilização.
Edição:
Edgard Matsuki
Postar um comentário
Obrigado pela participação.