Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula |
O advogado Pitchou Luambo, de 34 anos, é um vencedor: conseguiu deixar para trás uma guerra civil sangrenta e a opressão de um governo autoritário em sua terra natal, a República Democrática do Congo, para recomeçar a vida no Brasil, onde vive desde 2010 –sorte contrária a de muitos de seus conterrâneos, que diariamente correm o risco de perder a vida ou a liberdade. É um entre milhares de refugiados que anualmente chegam ao Brasil para escapar das consequências de conflitos armados, do autoritarismo político ou das condições de vida precárias.
O que encontram aqui, no entanto, é um novo conjunto de obstáculos que alimentam uma situação também dramática. “Será que já me habituei a viver no Brasil? Não sei”, diz, pensativo. “Todos os dias, é luta, luta, luta. Nós vivemos sempre no presente, resolvendo problemas. É difícil começar a planejar o futuro ou dizer que expectativa tenho. E esse sentimento é geral entre os refugiados, de todos os países”, conta.
Para reverter esse ciclo vicioso, que aprofunda os problemas que os refugiados e imigrantes já enfrentariam naturalmente em sua adaptação um novo país, Pitchou fundou o Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo (GRIST), com o objetivo de organizar eventos culturais, aulas de francês e rodas de diálogo com brasileiros para apresentar a si mesmos, suas histórias e costumes, e buscar um novo tipo relacionamento a sociedade brasileira, mais igual e solidário. O próximo evento de aproximação entre refugiados e brasileiros organizado pelo GRIST ocorre em São Paulo neste domingo (20), próximo ao terminal de ônibus de Cidade Tiradentes.
Pitchou, que não tem estabilidade financeira para viver de aluguel, mora em uma ocupação no centro de São Paulo, assim como outros refugiados africanos de países como Togo, Benin, Mali e Camarões, além de imigrantes de países da América do Sul e Caribe, como Bolívia, Peru e Haiti. Todos eles compartilham a dificuldade de conseguir uma renda fixa e a aceitação dos novos vizinhos brasileiros.
“O primeiro problema quando cheguei foi o idioma. Depois, conseguir emprego. Qualquer emprego, porque eu não consigo trabalhar na minha profissão. Hoje digo que eu ‘era’ e não que ‘sou’ advogado, porque já são cinco anos sem atuar”, explica. É difícil até conseguir trabalho braçal, embora muitos dos refugiados tenham formação de ensino superior, como Pitchou. “Até para ser servente de pedreiro, eles pedem experiência profissional. Mas como eu vou ter essa experiência? Nunca trabalhei nisso. No Congo, para se formar advogado, você estuda das 8h às 18h, todos os dias; e eu só trabalhei na minha área”.
Não se trata apenas de burocracia: a dificuldade para ser contratado é, também, consequência de preconceito racial e cultural, que impõe barreiras à assimilação dos imigrantes na sociedade brasileira. “Muitas vezes, percebemos que usam desculpas forjadas para não nos empregar”, diz Pitchou. Por esse motivo, mesmo quando o emprego aparece, as condições geralmente são precárias: a maioria das vagas, especialmente na construção civil, é sem registro ou direitos trabalhistas, para períodos de experiência de seis meses.
“Às vezes, o empregador sabe que a obra vai durar só quatro ou cinco meses, por exemplo. Ou então apenas dispensa sem motivo. É um esquema de trabalho que dá muito lucro, mas não dá estabilidade ao refugiado. O período que ficamos desempregados é muito maior que o tempo que passamos trabalhando”, lamenta Pitchou.
“Nós estamos junto com os brasileiros construindo a história do país. Amanhã, meu filho não será refugiado, será brasileiro. Ele não vai ter sotaque. Eu, amanhã, posso ser seu sogro. Meu filho pode ser seu genro, então vamos tentar ajudar. Hoje, você está maltratando alguém que poderá ser parte da sua família”, afirma, e faz um paralelo com a história dos primeiros imigrantes africanos que chegaram ao Brasil, sequestrados pelos escravistas portugueses.
“Se não fosse a cultura dos escravos, a música, a comida, como seria a cultura brasileira hoje? Naquele período, foi a escravidão que trouxe eles para cá. Hoje, são as guerras mundiais que nos trazem. Mas, do jeito que estamos levando as coisas, corremos o risco de escrever a mesma história. Porque os africanos chegaram naquela época como mão-de-obra barata, sem perspectiva de vida. De certa forma, é o que acontece hoje também”.
Pitchou conta que todos os brasileiros que encontra se esforçam para demonstrar solidariedade, mas muitos têm dificuldade de compreender que, mais grave doque o drama passado, são os problemas do presente. “Eu fico muito triste quando eu me encontro com as pessoas e explico que sou refugiado, que um dia saí de casa de manhã e encontrei mil pessoas mortas onde eu vivia e tive de sair pulando os corpos, e os brasileiros ficam tristes. Todos choram. Só que quando eu falo que estou passando dificuldade aqui, que estou passando fome, que não tenho onde dormir, aí dizem que no Brasil é assim mesmo”, resume.
Com informações do Instituto Lula
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