A demissão do diretor do FBI, abre a maior crise do mandato e mostra o lado mais feroz do presidente
JAN MARTÍNEZ AHRENS El País
Washington 14 MAI 2017 - 13:34 BRT
Trump ao subir no Air Force One AFP |
Durante anos, Donald Trump fez da demissão uma forma de vida. Ao longo de 14 temporadas, em horário de máxima audiência, o bilionário deu à nação lições sobre como fulminar os candidatos em seu programa de TV O Aprendiz. “Está demitido!”. Essa era a humilhante frase que multiplicou sua fama, catapultou-o à política e que às 17h40 de terça-feira passada, enviada em envelope lacrado e com suave linguagem oficial, abriu a maior crise de sua presidência.
A demissão do diretor do FBI, James Comey, representou para Trump um regresso a si mesmo. Uma de suas máscaras caiu diante do mundo, e surgiu sua face mais feroz, a do presidente capaz de eliminar com suas próprias mãos o responsável por investigar se sua equipe de campanha se associou ao Kremlin para atacar a candidata democrata Hillary Clinton. É a trama russa. O escândalo que dia e noite o persegue e cujo núcleo está no relatório ICA 2017-01D do Departamento de Inteligência Nacional.Esse dossiê, elaborado pela CIA, FBI e NSA, analisa meses de atividade do Kremlin e traz uma conclusão aterradora: “Vladimir Putin ordenou uma campanha em 2016 contra as eleições presidenciais dos EUA. O objetivo era minar a fé pública no processo democrático, macular a secretária Clinton e prejudicar sua elegibilidade e potencial presidência. Putin e o Governo russo desenvolveram uma clara preferência por Trump”.
Leia com calma. Trump era o preferido pelos russos e Trump venceu as eleições. A conclusão é fácil. Só que não há provas, e o encarregado de procurá-las foi demitido pelo presidente. Poucas vezes a suspeita foi tão evidente. E o republicano só a aumenta. Em sua fuga, chamou de “inimigos do povo” os jornalistas que investigam o caso e criou o carimbo de fake news para suas entrevistas exclusivas. Nas palavras de Trump tudo se reduz a uma “enorme armação desses democratas que não sabem perder”. Mas os fatos não são tão simples.
Dezessete de seus colaboradores mais próximos tiveram elos com Moscou. Houve reuniões secretas com o Kremlin nas Ilhas Seicheles, e no curso de um mês o conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, perdeu o cargo, e o procurador-geral, Jeff Sessions, ficou parcialmente impedido por ocultar o conteúdo de suas conversas com o embaixador russo em Washington. Duas baixas significativas, embora menos explosivas que a demissão de Comey.
Os diretores do FBI, eleitos pelos presidentes e referendados pelo Senado, gozam de um mandato de 10 anos e de uma imensa autonomia. Apenas um, em 109 anos de história, havia sido destituído. Foi com Bill Clinton, e por motivos éticos.
O caso de Comey é diferente. Por mais que agora se queira endeusá-lo, o diretor do FBI se movia desajeitadamente na arena política. Em sua época atraiu o ódio tanto dos democratas, por reabrir o caso dos e-mails de Clinton quanto o de Trump, por encerrá-lo pouco depois. Mas entre seus agentes era adorado. Consideravam-no um muro resistindo às pressões. Um exemplo de zelo puritano.
Com esses antecedentes, a saída de Comey abala profundamente a credibilidade da Casa Branca. As pesquisas-relâmpago revelam que a maioria desaprova a demissão e, o que é ainda mais importante, que a exigência de uma investigação independente se tornou avassaladora. “A decisão de Trump o enfraqueceu e tem como efeito que a maioria dos norte-americanos agora insista numa investigação plena dos vínculos com a Rússia”, afirma o professor Larry J. Sabato, diretor do Centro para a Política da Universidade de Virgínia.
Os republicanos, conscientes do risco de autodestruição, fecharam questão contra a nomeação de um promotor especial. E muito menos estão dispostos a aceitar alguma responsabilização por obstrução que possa alimentar um remotíssimo impeachment. A única válvula de escape vem do próprio FBI, desde que o novo diretor não a asfixie, e dos comitês do Senado e da Câmara. “Mas os republicanos, por maior que seja a controvérsia, mantêm uma frente unida ao redor de Trump e podem desacelerar ou frear qualquer investigação”, destaca Andrew Lakoff, professor da Universidade da Califórnia.
O futuro dos inquéritos é incerto. E Trump não parece disposto a ficar calado. Sem se importar em deixar expostos seus porta-vozes e suas rebuscadas explicações sobre a demissão, rompendo com o formalismo, chamou Comey de “fanfarrão” e declarou que queria fulminá-lo havia muito tempo. Por múltiplos motivos, mas todos sabem que além da trama russa o diretor do FBI se atreveu a desmentir a acusação de Trump de que Barack Obama o havia espionado e que, depois de testemunhar em 3 de maio de forma asséptica sobre Clinton, o presidente não confiava mais nele.
O então diretor do FBI James Comey AP |
Após sua exoneração, o diretor do FBI permaneceu em silencio. Depois, diante do aumento da pressão, deu dois passos de segurança: deixou aberta a porta para uma declaração no Comitê de Inteligência do Senado e, por meio de pessoas próximas, vazou para o jornal The New York Times que no dia 27 de janeiro o republicano o convidou para um jantar a sós na Casa Branca. O objetivo era pressioná-lo para que lhe prometesse lealdade. “Serei honesto”, foi a resposta de Comey.
Publicada essa reconstituição, Trump se encolerizou e na manhã de sexta-feira sacou a faca. Pelo Twitter alertou o demitido para não falar mais. “Será melhor para Comey que não haja gravações de nossas conversas, antes que ele comece a vazar para a imprensa”. A ameaça foi clara, direta, letal. Um presidente dos Estados Unidos brandindo supostas escutas para calar um ex-diretor do FBI.
A máscara caíra. Não estava falando aquele Trump suntuoso e paternal que gosta tanto de si mesmo. Falava o tigre criado no Queens, o valentão da escola militar de Cornwall, o admirador de Putin. A mensagem alcançou Comey. Na mesma tarde se soube que declinara de ir ao Comitê de Inteligência do Senado. Trump, mais uma vez, venceu.
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