Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, ex-assessor especial do governo Lula também cobra "autocrítica" da sigla após comprovadas "falcatruas" de militantes
O escritor Frei Betto, 73 anos, conheceu seu amigo Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 1980, em João Monlevade, Minas Gerais, durante a posse de um dirigente sindical. Vinte e três anos depois, virou assessor especial de Lula na Presidência da República e coordenador do programa Fome Zero.
Nessa época, conviveu com Antônio Palocci, ministro da Fazenda de 2003 a 2006. Frei Betto assistiu ao depoimento de Palocci contra Lula na Operação Lava Jato e defende investigações das "graves acusações" contra o ex-presidente, mas com "cautela".
Na quarta-feira, Palocci detalhou o que chamou de "pacto de sangue" entre Lula e a Odebrecht, e confirmou os fatos narrados na denúncia do Ministério Público contra ambos. "O que Palocci declarou, motivado pela ânsia de minorar sua reclusão carcerária, é muito grave e compromete a credibilidade de Lula.
Contudo, há que ter cautela", afirma Frei Betto, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), em entrevista ao EL PAÍS. O escritor também cobra uma "autocrítica" do PT após as comprovadas "falcatruas" em que se envolveram seus militantes.
Pergunta. Considerando o que o senhor conhece de Palocci e o que o senhor conhece de Lula, como diferenciar a credibilidade de cada um neste momento?
Resposta. Considero precipitado qualquer julgamento e fico à espera das investigações da Justiça. O que Palocci declarou, motivado pela ânsia de minorar sua reclusão carcerária, é muito grave e compromete a credibilidade de Lula. Contudo, há que ter cautela. O ex-senador petista Delcídio Amaral também fez graves acusações a Lula e, depois, a Justiça apurou que ele mentiu, o que resultou na recente absolvição de Lula quanto aos supostos crimes imputados a ele.
De qualquer modo, Palocci maculou profundamente a imagem do fundador do PT e o partido deveria, no mínimo, promover o quanto antes a sua expulsão sumária.
P. Palocci se beneficia de uma confissão com redução de pena mesmo sem delação premiada. O depoimento dele traz credibilidade?
R. Palocci se encontra em situação de profundo sofrimento como encarcerado. Estive preso quatro anos e sei que não é fácil para uma pessoa que, como ele, gozava do respeito e da amizade de banqueiros, desfrutava uma vida de luxos e mordomias, suportar a reclusão carcerária. Portanto, ele está disposto a tudo para ver a sua pena reduzida e obter prisão domiciliar. Isso compromete a credibilidade do que declara. Vi muitos companheiros de prisão que, sob tortura física ou psicológica, declararem o que os nossos algozes queriam ouvir. Portanto, repito, é preciso aguardar as investigações da Justiça e as provas que Palocci deverá apresentar para fundamentar o que disse.
P. Como avalia a confissão de crimes de Palocci e a contextualização de crimes que ele entende que Lula cometeu?
R. O fato de uma empresa comprar um terreno e doá-lo a Lula ou ao PT não implica nenhum crime, bem como financiar um apartamento. A gravidade é se o dinheiro dessas transações foi obtido mediante propinas de serviços prestados ao governo federal. Cabe à Justiça apurar se Palocci fala a verdade quando diz que sim, que o dinheiro resultou de licitações ilegais e favorecimentos escusos.
P. Como fica agora a história do Partido dos Trabalhadores?
R. O PT nega qualquer ato ilícito. O ônus da prova cabe a quem acusa. Porém, é no mínimo estranho que o PT tenha abandonado a bandeira da ética na política e não punido, até agora, seus militantes comprovadamente envolvidos em falcatruas. O PT deveria fazer autocrítica. Sua atual presidente declarou que o partido não fará autocrítica "para não dar munição à direita". Ora, quem não deve não teme. E não adianta tapar o sol com a peneira. É preciso calçar as sandálias da humildade e ousar separar o joio do trigo, caso contrário fica comprovada a cumplicidade do partido com militantes que comprovadamente se envolveram em corrupção, como Palocci, que se autodenuncia.
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