País lusitano, que fez os ajustes mais duros durante a crise na Europa, encontra um caminho para combinar crescimento e uma progressiva recuperação do bem-estar social
“Pela primeira vez desde a adesão ao euro, Portugal cresce acima da média da União Europeia”. O Parlamento Europeu escutou há algumas semanas o primeiro-ministro português, o socialista António Costa, contar a fórmula do sucesso de sua política econômica. “Definimos uma alternativa à política de austeridade centrada em mais crescimento, mais e melhor emprego e mais igualdade”, explicou Costa. “Virar a página da austeridade” foi o lema eleitoral dos socialistas. Se não deu a vitória ao partido, conseguiu atrair o apoio de comunistas e do Bloco de Esquerda para formar governo. A fórmula, batizada depreciativamente como a gerigonça, se transformou em um sucesso dois anos depois, apesar do receio de organismos como a Comissão Europeia e o FMI, que velavam pelos bilhões de euros emprestados em 2011 para impedir que o país quebrasse.
Não parece que se passaram somente dois anos. O salário mínimo subiu de 505 a 580 euros – 600 no ano que vem – (respectivamente, 2.057, 2.362 e 2.444 reais). Muitos previam uma destruição do emprego, mas aconteceu o contrário: se em 2013 o desemprego chegou a 16,2%, hoje é de 8,9%. Os funcionários públicos tiveram os salários descongelados, há quatros dias a mais de feriados no país, as aposentadorias subiram e o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de produtos básicos deixou de ser taxado em 23%.
Agora os órgãos internacionais elogiam a política do Governo. Portugal fechou 2017 com um crescimento de 2,7% (o maior do século); mas não só isso. O déficit, acima de 3% há dois anos, é de 1,1% e no próximo ano será de 0,3%. A presidenta do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso, nem um pouco dada a elogiar governos, reconhece “uma evolução muito favorável do saldo orçamentário que nós, pouco tempo atrás, consideraríamos impossível”. Há dois anos, os relatórios de Cardoso eram contínuas pancadas ao “otimismo militante” do primeiro- ministro. “Portugal não só cresce como nunca nesse século, como cresce bem”, diz o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral. “E não por um aumento de gasto público; vem das exportações, com um aumento de 11,7%. O investimento subiu 9%, especialmente o privado e o estrangeiro”. Também ajudou muito o espetacular aumento do turismo: no ano passado, o pais superou seu recorde de visitantes, com 20 milhões, quase o dobro da população portuguesa.
Naturalmente, nem todos aplaudem. “Dizer que o crescimento de 2,7% é o melhor registro do século é uma afirmação triste”, diz Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças do Governo anterior de centro-direita. Irene Mia, diretora editorial da The Economist Intelligence Unit, lembra que Portugal está crescendo no mesmo ritmo da Alemanha apesar de ser uma economia muito mais pobre. A dívida, que chegou a alcançar 132% do PIB, caiu a 126% em 2017 e em 2022 será de 114%. A revista The Economist alerta que a promessa de virar a página da austeridade pode ser difícil de ser mantida se o crescimento enfraquecer. Já se prevê que o crescimento cairá nesse ano (quatro décimos), por isso o Governo deixou vazar que em 2019 não ocorrerá aumento salarial aos funcionários públicos e que manterá a legislação trabalhista imposta pelas instituições europeias. Ainda assim, nesse jogo político da geringonça, socialistas e aliados à esquerda estão acertando medidas para reduzir a contratação temporária. “O Governo precisa de empresários e o empreendimento, atrair empresas estrangeiras. Não pode entrar nos devaneios de uma esquerda que quer a lua”, alerta o secretário geral do sindicato socialista UGT, Carlos Silva.
A bonança ainda não chegou ao setor industrial. “O setor bancário está melhor, mas o índice de dívidas não pagas continua elevado e é um fator de risco”, diz Irene Mia. Nada comparável ao panorama encontrado por esse Governo, com vários bancos em situação muito grave e que consegui resolver com diversas fórmulas mais ou menos engenhosas. Esperando o retorno do crédito empresarial, o hipotecário dispara. Se nos últimos cinco anos os empréstimos às empresas caíram 36,7%, o empréstimo para comprar apartamentos subiu 327%. A venda de casas aumentou 20,6% no último ano e seu faturamento, 30,6%.
Com os Amorim – reis da cortiça e muito mais – e os Azevedo – telefonia e centros comerciais –, a família Soares dos Santos completa o tripé do grande empresariado português. Nesse caso no setor da alimentação, com sua rede de supermercados Pingo Doce, que emprega mais de 100.000 pessoas na Polônia, Colômbia e Portugal. Seu presidente executivo, Pedro Soares dos Santos, é muito crítico com os governos: “Em Portugal investimos porque somos portugueses, porque se olhássemos o investimento do ponto de vista do crescimento e do retorno, a perspectiva é zero. Para nosso grupo, todas as grandes oportunidades estão fora. Quando a rentabilidade se perde, o investimento estrangeiro deixa de chegar”. Falta uma visão estratégica de país, segundo Soares dos Santos: “O que queremos ser, onde queremos construir nossa base de crescimento, nosso diferencial. Portugal poderia ser a Califórnia europeia, mas para isso falta um acordo sobre as áreas onde investir”.
Ainda que os organismos internacionais continuem pedindo mais reformas, o ministro da Economia, Caldeira Cabral, responde: “O que acontece é que nossas reformas são diferentes. As reformas do período de ajuste se centraram na legislação trabalhista, muito discutíveis por seus efeitos perniciosos. Meio milhão de jovens qualificados deixaram o país, hoje por outro lado a força de trabalho cresceu em 50.000 pessoas. Nossas reformas, que estão reduzindo o déficit e a dívida, se dirigem à modernização do país. São reformas que o FMI hoje não sabe ver e quantificar, mas que serão vistas a médio e longo prazo. Como o FMI mede o programa Simplex?”. O Simplex é uma das bandeiras do Governo: a eliminação de burocracias e a anulação de milhares de leis, normas e decretos obsoletos e contraditórios. “Antes de abrir uma empresa era necessário conseguir 11 licenças ambientais, agora uma basta”, diz o ministro.
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