Um autotransplante de linfócitos funcionou contra os tumores mais letais, embora os especialistas alertem que a técnica ainda está em um estágio inicial
Em 2014, a engenheira americana Judy Perkins tinha 49 anos e sofria um tumor de mama com metástase no fígado e outros órgãos. Os médicos lhe davam dois meses de vida. Quase quatro anos depois, continua viva e está há dois anos e meio sem nenhum sinal de câncer graças a um autotransplante de seus próprios linfócitos. Seu caso se transformou em uma esperança para desenvolver uma nova imunoterapia contra os tipos de câncer mais letais.
“Vimos cinco pacientes com remissões espetaculares como esta, incluindo outra mulher com câncer de cólon metastático que está há quase cinco anos sem a doença”, afirma Steven Rosenberg, cirurgião do Instituto Nacional do Câncer dos EUA e criador dessa terapia experimental. “Esta técnica está ainda em sua infância. Trabalhamos sem descanso para aumentar sua eficácia, porque até agora só 15% dos pacientes respondem”, adverte Rosenberg, um veterano pesquisador de 78 anos, em conversa por telefone de seu escritório em Bethesda, no Estado de Maryland.
O mais interessante desses casos isolados é que os pacientes tinham tumores epiteliais com metástase em outros órgãos. Esse grande grupo de lesões causa 90% de todas as mortes por câncer e não há nenhum tratamento eficaz contra elas. “Esses resultados nos dão a esperança de poder encontrar uma estratégia para tratar tumores epiteliais, por exemplo de fígado, cólon, colo do útero, mama e outros”, detalha Rosenberg.
A nova técnica se conhece como linfócitos que se infiltram no tumor (TIL, na sigla em inglês), uma nova variante de imunoterapia em fase de testes que poderia somar-se às já existentes. Atualmente já há no mercado medicamentos baseados em anticorpos que se unem aos linfócitos e lhes permitem unir-se às células tumorais e destruí-las. Essa imunoterapia é eficaz contra o melanoma metastático e o câncer de pulmão avançado, embora só funcione em um terço dos pacientes por razões que ainda não estão claras. Outro tipo de imunoterapia em cujo desenvolvimento Rosenberg teve um papel fundamental é a terapia genética com base em células CAR-T, linfócitos modificados geneticamente que se mostraram eficazes contra tumores sanguíneos, principalmente leucemias agudas em pessoas jovens.
A técnica TIL é outra reviravolta destinada a combater tumores que não respondem a outras imunoterapias. Ela consiste em isolar linfócitos T que penetraram no tumor e selecionar aqueles que são capazes de identificar neoantígenos, proteínas produzidas somente pelas células tumorais. No tratamento de Perkins, por exemplo, os médicos isolaram apenas 11 linfócitos que identificavam quatro antígenos tumorais, a partir dos quais obtiveram em laboratório 80 bilhões de filhos que depois foram reinjetados. Um ano depois, todos os tumores tinham desaparecido.
Neste ponto, Rosenberg dá uma notícia boa e outra, ruim: “Cerca de 80% dos pacientes com cânceres epiteliais geram linfócitos que reagem contra o tumor, mas de 197 mutações identificadas, 196 são exclusivas do tumor desse paciente e não são compartilhadas com nenhum outro, com exceção de uma mutação do gene KRAS, que observamos em dois pacientes”. Isso significa que é preciso desenvolver um tratamento para cada doente, o que, por sua vez, requer o uso de salas limpas, sequenciamento genético em massa do paciente e de seu tumor e o trabalho de 30 especialistas.
O custo dos medicamentos aprovados para a terapia CAR-T é de 400.000 euros (1,7 milhão de reais) e o da TIL poderia passar disso. A possibilidade de desenvolver novas terapias para tumores mais letais pelas quais quase ninguém possa pagar é real, reconhecem alguns oncologistas.
“De certa forma, seria muito positivo chegar a ter esse problema, porque significaria que a terapia demonstrou ser eficaz”, afirma Alena Gros, que chefia o Grupo de Imunoterapia e Imunologia de Tumores do Instituto de Oncologia Vall d’Hebron, em Barcelona. “O mercado e o sistema de saúde teriam de ser regulados de acordo com a necessidade e a eficácia para que os pacientes pudessem receber o tratamento. Isso ocorreu com outras terapias celulares, como a de células CAR anti-CD19, que só é paga se o paciente responder a ela. No momento, ainda estamos longe de nos confrontar com esse dilema”, assinala.
Gros conheceu Judy Perkins e outros pacientes que tiveram recuperações surpreendentes entre 2014 e 2016, quando esteve aprendendo a técnica TIL no laboratório de Rosenberg. Agora pretende aplicá-la em um teste clínico na Espanha, embora ainda possa demorar um ou dois anos para colocá-lo em andamento.
Em Madri, a equipe de Manuel Ramírez-Orellana testou a TIL para tratar quatro crianças com tumores que não respondiam a outras terapias no Hospital Menino Jesus. “Vimos que o tratamento era seguro, mas os pacientes não responderam.” Nesse caso, foram cultivados os linfócitos que tinham se infiltrado nos tumores, mas não foi feita uma seleção em função dos neoantígenos que eram capazes de reconhecer, algo que pode ser a chave para explicar por que a terapia funcionou tão bem em alguns pacientes nos EUA. “De qualquer forma, os últimos estudos de Rosenberg demonstram que há uma possibilidade de tratar cânceres que se consideravam incuráveis e é uma possibilidade que é preciso explorar”, destaca Ramírez-Orellana no Hospital Infantil de Seattle (EUA), onde está aprendendo engenharia de linfócitos T.
O pesquisador acredita que a estratégia mais eficaz será combinar terapias − por exemplo, atacando os primeiro tumores com vírus oncolíticos e depois com a TIL. “A TIL exige instalações caras de criar e manter, mas elas já existem em alguns hospitais públicos espanhóis. Todo o programa de pesquisa em paralelo exige recursos muito difíceis de conseguir. Os tratamentos com células CAR-T têm preços exagerados. É absurdo, porque um sistema público de saúde não pode pagá-los, nem mesmo muitos sistemas privados. Ou há uma mudança radical ou esse tipo de tratamento será só para uma elite”, alerta.
Rosenberg não tem dúvida de que se os tratamentos desse tipo se mostrarem eficazes, “o engenho da indústria farmacêutica se encarregará de torná-los possíveis e acessíveis”. “Há pelo menos três empresas que já estão explorando o desenvolvimento comercial”, assegura.
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