O próximo governo vai ter que cortar gastos estatais, senão a ameaça é de inflação galopante. Mas os brasileiros não parecem dispostos a engolir essa pílula amarga.
A greve dos caminhoneiros teve o apoio da maior parte da população brasileira: 87% foram a favor do bloqueio das estradas por 11 dias, mesmo que a maioria tenha logo ficado sem combustível nem gás de cozinha, e nos supermercados os alimentos tenham rareado.
Achei isso surpreendente, até porque o governo cedeu logo às exigências dos motoristas. Mais espantoso, porém, eu achei uma outra constatação da sondagem do fim de maio: 87% dos brasileiros eram contra as concessões aos grevistas serem financiadas via impostos ou aumento no preço da gasolina.
A conta deveria... sim, ser paga por quem? O Estado, a Petrobras? Pois isso só pode querer dizer que todos os brasileiros terão que pagar impostos mais altos para cumprir as exigências da classe, sejam elas justas ou não.
Duas semanas mais tarde, afinal de contas, dois terços dos consultados achavam que, no total, a greve tinha trazido mais danos do que vantagens. O que certamente tem a ver com o fato que, desde então, ficaram bem mais altos os preços da gasolina e do gás, assim como da maior parte dos alimentos, e permanecem nesse nível elevado.
Eu me pergunto se essa insatisfação com o resultado da greve pode ser uma primeira indicação de que lentamente os brasileiros se dão conta de que gastos estatais crescentes acabam sendo pagos por eles mesmos, de que a conta não é paga num passe de mágica por um poderoso Estado.
Pois os gastos do Estado no Brasil, que há 15 anos aumentam sem parar, são até agora pagos com dívidas e impostos. Se o próximo governo não conseguir reduzir seus gastos (ou aumentar ainda mais as arrecadações), no médio prazo nada restará ao país senão amortizar o déficit através da inflação, como o país já fez várias vezes em sua história, para sanear o orçamento público. Com altos custos sociais, pois a inflação atinge sobretudo os pobres.
Não tem que ser assim. Martin Raiser, do Banco Mundial no Brasil, divulgou recentemente um estudo mostrando que seria possível reduzir os gastos públicos, sem incrementar a taxação já alta. Seria possível poupar 5% do PIB cortando despesas ineficazes, sem prejudicar os pobres. Pois os gastos do Estado brasileiro são profundamente injustos.
"O Estado tira dinheiro dos pobres e dá para os ricos, na forma de subsídios e estímulos à indústria", aponta Raiser. Os altos funcionários públicos – muito bem pagos e privilegiados, em comparação com o setor privado – contam entre os beneficiados do sistema tributário socialmente injusto, da mesma forma que os filhos dos mais abastados, que podem estudar de graça nas universidades federais. Dois terços dos estudantes das universidades estatais vêm dos 10% das famílias mais ricas do país. Além disso, setores inteiros são financiados com subsídios, sem qualquer plano nem controle. A lista vai longe.
Mas tenho dúvidas de que se vá chegar a um consenso político e mudar algo na relação entre os gastos estatais e os privilegiados – sobretudo quando vejo os meus amigos da classe média desempregados e subempregados.
Quanto mais perdura a crise da economia, mais promissor e atraente é para eles um emprego no Estado, com bom salário, segurança alta, numerosos privilégios e aposentadoria precoce e alta. Em vez de sacudir o sistema, todos preferem tentar se acomodar sob as asas do Estado.
Eu temo que, no médio prazo, o Brasil vai mais uma vez sanear o orçamento público com um choque inflacionário – com consequências sociais e políticas potencialmente explosivas. Tomara que eu esteja enganado.
Há mais de 25 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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