Economista norueguês considera que as medidas extraordinárias dos bancos centrais contra a crise foram "desnecessárias"
LUIS DONCEL |
Cansada de escutar longas e tediosas explicações sobre o que levou Finn Erling Kydland a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, a esposa desse economista norueguês formulou uma resposta sucinta: “Meu marido recebeu o prêmio por demonstrar que os bancos centrais precisam ser independentes”. O interessado parece ter adotado com gosto essa frase-slogan como carta de apresentação.
Ao receber a reportagem do EL PAÍS, no último dia 3, Kydland, de 75 anos, acabava de visitar uma escola em um bairro humilde de Valência, no leste da Espanha. “Por que trocamos a peseta pelo euro?”, ou “Por que os bancos têm tanto dinheiro?” eram algumas das perguntas que os alunos lhe fizeram. Bastante difíceis. “Para algumas, achei difícil dar a resposta adequada”, admite. Esta entrevista, por outro lado, foi muito mais fácil para ele.Suas pesquisas se baseiam em séries, e ele se recusa a avaliar os acontecimentos atuais – “Odeio lhe dizer isto, mas não leio jornais”, dispara com um sorrisinho malévolo, entendo que para um jornalista isso soa quase a sacrilégio. Apesar disso, Kydland tem uma opinião muito clara sobre as tensões comerciais que sacodem a economia global e sobre o papel dos bancos centrais na solução da crise. E não faz rodeios: ataca por igual os líderes que entraram na corrida protecionista atual e os chefes dos BCs que se afastaram da ortodoxia para lutar contra a Grande Recessão de 2008.
Mas vamos por partes. Uma das pernas do seu trabalho acadêmico é o estudo de como as interferências políticas prejudicam a economia. Admite sua surpresa com os ataques furiosos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a Jerome Powell, o homem que ele mesmo escolheu como chefe do Federal Reserve. Ainda nesta segunda-feira, Trump acusou Powell de ajudar a China com suas decisões. “É um bom exemplo de por que a independência do banco central é importante. Trump poderá pressionar, mas não pode fazer muito para influenciar o organismo”, afirma.
Admite que jamais imaginou que as crescentes travas ao comércio internacional procederiam dos EUA, país onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. “Estas decisões são impulsionadas por políticos ingênuos e sem visão de futuro”, afirma em Valência, onde, ao lado de outros 18 ganhadores do Nobel, participou do júri do Prêmio Jaume I, que reconhece pessoas cujo trabalho tenha sido altamente significativo para a sociedade. Todos eles se concentravam no mesmo hotel, de modo que ao passear por seu jardim era difícil dar um passo sem esbarrar em algum médico ou um físico galardoado com o prêmio, acompanhado por seu correspondente entrevistador.
Está convencido de que a escalada protecionista impulsionada por Washington é um bumerangue que acabará golpeando a economia norte-americana. “Sempre é difícil adivinhar quais motivos movem Trump, mas parece que ele pensa que estas decisões são importantes para proteger certas indústrias domésticas. Esquece que, ao impor tarifas, esses setores acabarão sendo menos produtivos com relação ao resto do mundo. Assim, em longo prazo isso será ruim para os EUA”, conclui.
Em sua defesa do livre comércio, Kydland concorda com a maioria de economistas. Mas onde se afasta de muitos colegas é no seu ceticismo quanto ao arsenal que os bancos centrais das economias industrializadas – do Japão aos EUA, passando pela zona do euro – mobilizaram para fazer frente à crise.– As medidas extraordinárias foram desnecessárias. Não há evidência de que tenham ajudado. Nos EUA, a economia cresceu desde 2009 mais lentamente que nos 70 anos anteriores. Isto sugere que o QE [sigla de quantitive easing, o programa de compra maciça de bônus que quadriplicou o saldo positivo do Fed entre 2008 e 2013] não teve muito efeito, mas por outro lado trouxe incertezas. E, em economia, a incerteza é sempre negativa.
– Mas os críticos deste programa anunciaram riscos de inflação que não se cumpriram.
– É verdade, mas a questão é se o QE favoreceu o crescimento. E não favoreceu. Não acredito que os bancos centrais possam fazer muito para gerar crescimento em longo prazo. A política fiscal é muito mais importante. Para crescer é preciso mais produtividade ou uma mudança tecnológica. E como o QE afeta a mudança tecnológica?
Há 15 anos, Kydland e seu colega Edward C. Prescott – da escola neoclássica, contraposta aos postulados keynesianos – ganharam o Nobel. Obtiveram o prêmio, entre outras conclusões, por sua ideia da inconsistência temporal, que mostrava como uma política considerada conveniente por gerar certas expectativas adequadas podia não ser implantada depois que essas expectativas se fixassem. Só que o resultado final para a economia era pior, porque futuramente se gera desconfiança. Por isso, no exemplo da política monetária, convém que os bancos centrais sejam independentes e tenham regras fixas: para que os Governos não cedam à tentação de aumentar as taxas de juros alegremente para impulsionar o crescimento e reduzir a taxa de desemprego, o que causaria um efeito inflacionário adverso.
Mas, como ele aplica esta teoria em um mundo como o atual, em que os bancos centrais da Europa e dos EUA se queixam precisamente de sua incapacidade de gerar inflação, o problema contrário ao que enfrentavam os economistas nas décadas de setenta e oitenta? “Bom, é verdade que em muitos países a inflação é um problema do passado. Eu me surpreenderia que ela voltasse aos níveis dos anos oitenta. Mas ainda pode haver surpresas”, conclui.
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