Ninjas planejam expansão das atividades e financiamento do público |
Sob os holofotes desde
o início da onda de protestos no Brasil, o coletivo de jornalismo Mídia Ninja
(Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) faz planos ambiciosos para o
futuro.
"O nosso ideal é
ajudar a criar uma rede financeiramente viável que dê conta não só da demanda
do público por informação de qualidade, mas também da oferta de jornalistas que
não encontram vagas no mercado ou que estão sendo despedidos das grandes
redações", disse à BBC Brasil o jornalista Bruno Torturra, um dos membros
do grupo em São Paulo.
O primeiro passo
começa nesta semana, com o lançamento de uma campanha de financiamento coletivo
para dar estrutura a equipes de produção e, em seguida, do site oficial do
coletivo, que deve reunir conteúdo de grupos espalhados por todo o país.
Além da organização do
conteúdo de centenas de fotografias e horas de vídeos documentando as
manifestações, o grupo também pretende responder aos pedidos do público e dos
críticos por mais textos e material editado pelos jornalistas ─ um desafio para
quem tem milhares de colaboradores e afirma não ter uma linha editorial única.
"A gente tem uma teia", diz Torturra.
A "teia"
reúne grupos de produção cultural e comunicação em todo o país, ligados ao Fora
do Eixo ─ uma rede de coletivos criada em 2005 para organizar festivais de
música independentes. "Através do Fora do Eixo já estamos em todos os
Estados, mas são pessoas com múltiplas funções, que são ativistas, produtores e
que podem fazer a função de ninjas", explica.
Atualmente, mais de 20
pessoas se dedicam exclusivamente à produção de conteúdo para a Mídia Ninja nas
equipes de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador.
"Um número um
pouco maior de pessoas nos dá apoio, inclusive offline (não apenas nas
transmissões na internet). Depois temos ainda centenas de pessoas que são
colaboradoras eventuais, mandam uma foto, um parágrafo. É algo que nem dá pra
contar, vem em fluxo. E agora (depois do início das manifestações) temos mais
de 1.500 pessoas inscritas para trabalhar para o Mídia Ninja, que ainda não
organizamos e não sabemos como vamos organizar", diz.
Grupo ganhou fama
internacional depois
que integrantes foram
presos em protesto no Rio
|
Fama
A procura por fazer
parte da Mídia Ninja deu um salto após o início dos protestos em todo o país.
Usando smartphones, laptops e acesso 3G, os colaboradores do grupo atualizavam
sua página oficial no Facebook e transmitiam as manifestações ao vivo.
Em São Paulo,
atingiram a marca de cerca de 100 mil espectadores ao transmitirem com detalhes
os confrontos entre a Tropa de Choque e os manifestantes na noite de 18 de
junho.
Nos protestos contra o
governador Sérgio Cabral, no Rio, os ninjas tiveram o triplo de audiência e
foram também protagonistas ─ dois deles foram detidos e soltos depois. Em
frente à 9ª DP, no bairro do Catete, uma multidão se aglomerou aos gritos de
"Ei, polícia, solta a Mídia Ninja".
Com a rejeição dos
manifestantes à mídia tradicional, muitas vezes acusada de omitir o vigor dos
protestos, os ninjas ganharam apoio e credibilidade junto aos participantes dos
atos públicos em todo o país.
Desde então, o grupo
foi objeto de reportagens nos principais meios de comunicação nacionais, nos
jornais americanos New York Times e Wall Street Journal e no britânico The
Guardian.
"A popularidade
facilitou o nosso trabalho mais do que dificultou. Tem mais gente enchendo o
saco, tem mais gente querendo sabotar e cada vez mais calúnias sobre nós. Mas a
polícia agora nos trata como jornalistas e recebemos muito apoio e informação
de gente que está nas ruas", diz Torturra.
A cobrança dos
leitores, segundo o jornalista, também aumentou, assim como as críticas aos
erros e aos posicionamentos do grupo. "Temos o nosso ponto de vista claro,
mas não somos tendenciosos. Acho que ter o ponto de vista dos jornalistas claro
é justamente o que torna a transmissão honesta", defende.
O novo site pretende
reunir o conteúdo dos núcleos de produção jornalística ninja no país ─ o que
incluiria textos, blogs, documentários, vídeos e reportagens com pontos de
vista diversos. Mas Torturra admite que algum tipo de controle será necessário.
"Vamos analisar
se algo for muito agressivo, muito ofensivo ou muito fora do que a maioria
acredita que é razoável ─ desde um material de má qualidade, mal apurado, até
uma edição que não seja justa. Mas (a seleção do material) é (feita com base)
na construção de um bom senso coletivo, não em uma chefia que vai aplicar um
manual de redação."
Financiamento
A popularidade também
aumentou os questionamentos sobre o financiamento das operações do grupo. A
Mídia Ninja, de acordo com Torturra, conta somente com parte dos recursos da
rede Fora do Eixo e com o investimento voluntário da sua própria equipe.
Manifestantes
rejeitaram veículos tradicionais e
colaboraram com ninjas
|
Em entrevista ao
jornal Valor Econômico, o produtor cultural Pablo Capilé, um dos fundadores do
Fora do Eixo, afirmou que a rede é autogestionada ─ arrecada dinheiro através
de eventos e atividades organizadas pelos coletivos e por editais ou licitações
públicas. O dinheiro de editais, no entanto, seria o equivalente a entre 3% e
7% do caixa.
"Não é dinheiro
de governo, nem dinheiro de partido. É política pública", defende
Torturra. "Os recursos ajudam a financiar todas as atividades do Fora do
Eixo nacionalmente, o que ajuda a Mídia Ninja a funcionar. Mas a Mídia Ninja
nunca foi financiada por ninguém."
Em uma reportagem
recente, o jornal O Globo afirmava que os "Ninjas querem verba oficial
para sobreviver" e destacava posts em mídias sociais que circulavam fotos
de Capilé com lideranças do PT. O produtor admitiu ter fotos com políticos de
diversos partidos nas redes sociais, mas negou qualquer influência partidária
direta na produção da Mídia Ninja.
Senha compartilhada
Quase toda a equipe da
Mídia Ninja em São Paulo vive em uma casa que pertence ao Fora do Eixo, para
multiplicar os recursos disponíveis. "Eles (as pessoas que moram na casa)
têm a senha de um mesmo cartão (de crédito), mas esses gastos são controlados
pelo Fora do Eixo. Isso pode ser usado para pagar a gasolina e a comida de pessoas
que forem cobrir uma manifestação, mas não seria diferente se fossem produzir
um show. Um orçamento específico da Mídia Ninja ainda não existe."
Na lógica de divisão
comunitária dos recursos, nenhum dos ninjas recebe salário. Para planejar a
operação com um orçamento próprio, eles esperam contar com a ajuda do público,
com campanhas de financiamento coletivo pela internet. A primeira delas, que
deve ser lançada nessa quarta-feira, deve arrecadar dinheiro para a compra de
equipamentos para as equipes.
A depender da adesão à
campanha, o grupo já pensa em uma proposta de assinatura mensal do site, mas
com valores baixos e sem restrição de conteúdo. "É uma espécie de
assinatura-apoio", explica Torturra.
Caso o plano dê certo
─ e caso os leitores manifestem com doações o mesmo apoio que mostraram nas
ruas ─ será possível pensar na remuneração dos colaboradores fixos, segundo os
ninjas.
Camilla Costa
Da BBC Brasil em São
Paulo
Postar um comentário
Obrigado pela participação.