Indústria farmacêutica usa venenos para ajudar em tratamentos de saúde |
Da BBC Brasil
Ela é a substância
mais venenosa conhecida pelo homem. Pequenas doses, em colheres, seriam
suficientes para matar todo mundo na Grã-Bretanha. Alguns quilos matariam todos
os humanos no Planeta.
É tão perigosa que só
pode ser fabricada em instalações militares, com custo de US$ 100 trilhão por
quilo.
Apesar de ser tão
tóxica, esta substância está em altíssima demanda. Muitas pessoas pagam grandes
fortunas para injetá-la em suas testas.
Trata-se da toxina
botulínica – popularmente conhecida como Botox – que é produzida pela bactéria
que foi descoberta em uma fábrica de salsichas no século 18. O nome
"botulus" vem da palavra em latim para "salsicha".
Na escala de LD50 de
grau de toxicidade – que mede a quantidade necessária para matar metade das
pessoas expostas ao produto – o Botox tem uma marca de 0.000001 mg/kg.
Ou seja, uma dose
minuscula de 0,00007 mg (peso inferior a um milímetro cúbico de ar) pode matar
um homem de 70 kg.
A toxina botulínica
mata suas vítimas causando falhas respiratórias. É uma neurotoxina que entra nos
nervos e destrói proteínas vitais. Isso interrompe a comunicação entre nervos e
músculos, o que pode levar meses.
Sua principal fama é a
de evitar rugas em pessoas que estão envelhecendo, ao destruir os nervos
responsáveis por isso. As quantidades usadas são minúsculas – de até um
bilionésimo de grama – dissolvidas em uma solução salina.
Mas o botox é muito
mais do que apenas um produto de vaidade. É extremamente útil para tratar
várias condições médicas, de estrabismo a enxaquecas, passando por suor em
excesso e problemas de bexiga.
Arsênico
O botox é apenas um
exemplo de como venenos muito poderosos podem ser usados para tratar problemas
médicos.
Captopril, um remédio
que combate a hipertensão e recebeu de US$ 1 bilhão em pesquisas para ser
criado, foi feito a partir de venenos de cobras. A exenatide, vendida com o
nome de Byetta, é usada no combate a diabetes do tipo 2, e vem da saliva de um
lagarto peçonhento.
Um veneno, em
particular, mudou toda a história moderna da farmácia.
Na Grã-Bretanha
vitoriana, a indústria dos seguros de vida passou por um boom. Esse dinheiro
fácil levou a um salto no número de assassinatos, muitos deles por
envenenamento.
Um dos casos mais
conhecidos é o de Mary Ann Cotton, uma mulher condenada em 1873 por diversos
assassinatos. Ela foi casada quatro vezes e três de seus maridos, todos com
grandes planos de seguro, morreram. O que sobreviveu foi o único que havia se
recusado a fazer um seguro, e acabou sendo abandonado por Mary Ann.
Dez dos filhos da
britânica morreram de problemas gastrointestinais. Para a "sorte" de
Cotton, todos tinham seguros de vida.
Sua mãe, cunhada e
amante também morreram, e em todos os casos ela era beneficiária de seus
planos. Um dos poucos a sobreviver, no círculo de Mary Ann, foi o filho
Charles, que foi repassado para um lar de crianças abandonadas.
Charles morreu pouco
depois de chegar ao lugar, e o dono do lar contatou a polícia, que abriu uma
investigação.
As autoridades
concluíram que ela usou arsênico para envenená-lo. Minerais com arsênico são
quase imbatíveis no uso de venenos, pois eles não possuem sabor, são diluíveis
em água quente e são letais em quantidades mínimas. No século 19, a substância
era amplamente disponível para matar ratos.
A condenação de Mary
Ann Cotton dependia da comprovação de que havia traços de arsênico no corpo de
Charles. Mesmo com a perícia forense ainda em estágio inicial de
desenvolvimento, foi possível fazer um teste com resíduos do estômago e dos
intestinos.
O exame foi positivo
para arsênico e Cotton acabou executada por enforcamento.
Uma onda de
assassinatos semelhantes a estes levou à Lei do Arsênico, que acabou se
transformando na Lei da Farmácia de 1868. Isso especificou que apenas
farmacêuticos tinham direitos legais de vender venenos.
Foi destes
envenenamentos e assassinatos que surgiu a base legal da indústria farmacêutica
que hoje usa venenos para ajudar na saúde.
Um derivado do
arsênico, por exemplo, é usado hoje como agente anticâncer.
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