Ministro Roberto Barroso autoriza quebra de sigilo até junho de 2017 por caso da MP dos Portos
Planalto reagiu à decisão. Inquérito pode gerar apresentação de terceira denúncia contra o presidente
A pressão da Operação Lava Jato se intensifica sobre o Planalto em meio à troca de comando na Polícia Federal. Em um constrangimento inédito para um mandatário no exercício do cargo, o presidente Michel Temer teve o sigilo bancário quebrado por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso. O magistrado autorizou que a PF tenha acesso às movimentações bancárias de Temer entre primeiro de janeiro de 2013 e 30 de junho de 2017 como parte do inquérito que investiga o suposto favorecimento da empresa portuária Rodrimar em um decreto presidencial de maio de 2017 - o texto mudou regras de funcionamento dos portos no país.
O Planalto fez circular na imprensa a mensagem de que foi surpreendido pela decisão de Barroso, publicada primeiro pela revista Veja, e tentou reagir rápido. A assessoria de Temer divulgou uma nota, parte dela lida no Jornal Nacional, da TV Globo, nesta segunda-feira, prometendo dar acesso à imprensa às movimentações financeiras do emedebista: "O presidente Michel Temer solicitará ao Banco Central os extratos de suas contas bancárias referentes ao período mencionado hoje no despacho do eminente ministro Luís Roberto Barroso. E dará à imprensa total acesso a esses documentos. O presidente não tem nenhuma preocupação com as informações constantes suas contas bancárias", diz a íntegra do texto.
É o segundo revés para o mandatário na área criminal em apenas três dias. O caso dos portos é uma das duas investigações em curso contra o presidente no STF, mas é a única que pode se transformar numa terceira denúncia contra Temer - ele já conseguiu barrar duas na Câmara. A outra apuração foi desatada na sexta-feira, pelo ministro Edson Fachin, do STF. Ele autorizou abertura de um inquérito no qual Temer será investigado sob acusação de capitanear esquema de propinas do MDB. No entanto, como se trata de supostos fatos acontecidos em 2014 - portanto antes de Temer chegar ao Planalto -, ele não poderá ser responsabilizado por eles enquanto for presidente.
O novo cerco acontece justo quando o Planalto tenta emplacar a agenda da segurança pública como alavanca para a aprovação do Governo mirando as eleições de outubro. O sigilo de Temer vai para as mãos de uma Polícia Federal que acaba de trocar de comando: sai Fernando Segóvia, um nome aliado do MDB que havia publicamente desdenhado da investigação sobre o decreto dos portos, e entra Rogério Galloro, tido como mais alinhado com a Lava Jato.
Coronel e Loures na mira em caso que remonta os anos 90
O caso que provocou a inédita quebra de sigilo bancário de um presidente da República é uma derivação das delações de Joesley e Wesley Bastista. Segundo o Ministério Público Federal, interceptações telefônicas no círculo próximo de Temer levaram a suspeitas de irregularidades na emissão da Medida Provisória dos Portos, em maio do ano passado. De acordo com o então procurador-geral, Rodrigo Janot, os dados obtidos continham indícios de que a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos, teria sido "ao menos em parte" favorecida no decreto presidencial - o Planalto pede o arquivamento do caso dizendo que a firma não foi beneficiada.
Além de Temer e dos responsáveis pela empresa portuária, ex-assessores e amigos do círculo mais íntimo do presidente, já citados em outros escândalos, também tiveram os sigilos bancários quebrados por conta da investigação: o advogado José Yunes, o coronel reformado João Baptista Lima Filho e Rodrigo da Rocha Loures, o deputado flagrado com a mala de dinheiro enviada pelos irmãos Batista.
Yunes, o coronel Lima e Loures são acusados em diferentes frentes pelos investigadores da Lava Jato de serem operadores de Temer. Lima, cuja empresa fez a reforma na casa da filha de Temer, é quem recebeu, segundo o Ministério Público Federal, parte de dinheiro não declarado enviado por empresas como a JBS. A relação entre os dois é de longa data. Quando o presidente foi mencionado pela primeira vez em um escândalo de corrupção, na década de 1990, vários dos personagens protagonistas de agora já estavam lá: Lima e a Rodrimar, por exemplo. O caso viria a ser arquivado por falta de provas.
Yunes, advogado amigo de Temer que chegou a atuar no Planalto, é amigo do presidente de longa data e apareceu nas delações da Odebrecht como responsável por intermediar o recebimento de dinheiro não declarado da empresa, o que ele nega. Como revelou o EL PAÍS em outubro passado, o advogado teve por três anos - a partir de 2013 - uma procuração para movimentar as contas bancárias da empresa controlada pelo presidente, a Tabapuã Investimentos. A Tabapuã possui salas comerciais na Faria Lima com aluguel anual estimado em um milhão de reais. A empresa de Temer também adquiriu terrenos em Itu em 3 setembro de 2014 - um dia depois que a JBS diz ter entregue um volume de dinheiro destinado a ele.
Na época da reportagem, o Planalto respondeu que a evolução patrimonial do presidente era compatível com suas propriedades: “A reportagem do El País já aponta a renda de aluguel anual mais do que suficiente para o presidente Michel Temer adquirir os imóveis. É, portanto, autoesclarecedora, além de demonstrar a compatibilidade da evolução patrimonial. Transações registradas em cartório, declaradas no imposto de renda são lícitas, não restando nenhuma dúvida sobre a legalidade da compra dos terrenos pelo presidente”, dizia a nota enviada ao Globo.
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