Mobilização de 500.000 transportistas, a mais contundente em anos, força estatal a baixar diesel por 15 dias. Paralisação segue e grevistas têm nova rodada de conversa com Governo nesta quinta
AFONSO BENITES
A maior mobilização de caminhoneiros em duas décadas colocou o Governo Michel Temer (MDB) de joelhos e forçou a Petrobras a alterar, por enquanto temporariamente, a sua política de preços de combustível da estatal, um dos símbolos da gestão Pedro Parente, incensada por investidores financeiros. Desde segunda-feira, cerca de 500.000 caminhoneiros promovem uma série de protestos pelo Brasil e bloquearam trechos de 270 rodovias federais e estaduais para protestar contra alta de de 50% no preço do diesel desde julho passado. A ação resultou em desabastecimento de alimentos, inclusive pães na rede McDonalds e batatas em sacolões, restrição no transporte público de capitais e até de voos domésticos e internacionais que partiriam de seis aeroportos.
Com o Governo sem nada a oferecer de concreto ao grevistas e diante de uma possível ampliação do problema, o presidente da petrolífera, Pedro Parente, foi obrigado a recuar. Anunciou, em entrevista coletiva, que o preço do óleo diesel se reduzirá em 10% nas refinarias pelo período de 15 dias. Isso representa cerca de R$ 0,20 centavos por litro como um gesto de "boa vontade". "São 15 dias para que o Governo converse com os caminhoneiros." Ele rejeitou ter sofrido pressões. Disse apenas que a estatal fez uma análise "realista" do cenário.
Apesar da alteração, não há garantia de que os protestos serão suspensos. O pleito inicial dos manifestantes era de que, por meio da isenção de tributos, a diminuição do preço fosse de R$ 0,60 a R$ 0,80. Temer chegou a pedir uma trégua “de dois ou três dias” aos caminhoneiros para que se chegassem a um consenso sobre o assunto.
Desde que o emedebista assumiu a presidência da República, em maio de 2016, ele determinou que Petrobras teria autonomia para definir os preços dos combustíveis, um contraste com a criticada política de controle tarifário do Governo Dilma Rousseff. A partir de então, por ordem de Pedro Parente, a companhia decidiu seguir a oscilação internacional do preço do barril de petróleo, num cenário de recuperação do preço das matérias primas em geral e de instabilidade nos países produtores, como Irã e Venezuela, e, consecutivamente do dólar. A mudança arrancada à força pelos caminhoneiros nesta quarta-feira não atinge outros combustíveis como gasolina e etanol nem o GLP, conhecido como gás de cozinha. Na última semana, a gasolina sofreu quatro reajustes consecutivos e o diesel, dois. Em cidades como Recife (PE), a gasolina chegou nesta quarta-feira ao valor de 9 reais por litro.
O alto preço do combustível na cidade pernambucana se deve ao quase desabastecimento de postos porque os caminhões tanques acabaram sendo impedidos de circular por algumas rodovias. Segundo dados da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), cidades dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e o Distrito Federal também registraram baixos estoques nas bombas. Ao menos seis aeroportos brasileiros (São Paulo, Brasília, Recife, Maceió, Palmas e Aracaju) anunciaram que operam no limite mínimo de reabastecimento. Ou seja, só aceitam que pousem em suas pistas as aeronaves que tivessem condições de decolar sem precisar de reabastecimento.
Transporte coletivo e fator estadual da equação
Concessionárias de ônibus de diversos municípios reduziram suas frotas. No Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, a redução foi de 40% dos veículos nas ruas. E empresas das principais regiões metropolitanas informaram que, se o diesel não chegar nos postos, até sexta-feira não haverá transporte público.
Diante de um possível caos no abastecimento, Michel Temer convocou uma reunião de emergência com sua equipe e representantes de dez entidades de caminhoneiros. No encontro, nenhuma nova proposta foi apresentada. Apenas requentaram uma ideia que já havia sido aventada na terça-feira, que foi a de zerar a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o diesel — o imposto corresponde a apenas 1% do preço do combustível. Essa medida, no entanto, ainda depende da votação de um projeto de lei no Congresso Nacional e não há prazo para isso ocorrer. Se aprovada, resultará na perda de arrecadação de 2,5 bilhões de reais para os cofres da União.
Nesta quinta-feira, um novo encontro entre Governo e caminhoneiros deverá ocorrer para discutir o assunto. Um dos problemas na definição do preço do combustível são tributos estaduais que incidem sobre o produto, como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E cada Estado cobra a tarifa que bem entende. Por isso, o Senado iniciou a discussão de um projeto de resolução para limitar a incidência o ICMS em 18% sobre o preço final da gasolina. Hoje, o teto para a incidência desse imposto é de 30%. A proposta ainda não obteve o número mínimo de apoio para começar a tramitar. Faltam cinco votos para atingir os 41 mínimos para iniciar sua votação.
A última vez que caminhoneiros conseguiram tamanha adesão foi em 1999, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Naquele ano, 700.000 caminhoneiros protestaram pelas estradas por quase uma semana também por conta do reajuste do preço do óleo diesel. O movimento só acabou depois que FHC decidiu colocar as Forças Armadas para desbloquear as estradas. Questionado se o Governo pretendia intervir nas rodovias, o ministro da Casa Civil disse que a gestão Temer prefere dialogar do que usar a força. “Esse é o Governo do diálogo, da negociação. Queremos achar a melhor solução para toda a população”.
Na esfera judicial, no entanto, a gestão Temer já começou a agir. A Advocacia Geral da União ingressou com 26 ações para o desbloqueio de rodovias. Até às 20h30 desta quarta-feira, nove foram julgadas favoravelmente ao Governo e determinando a liberação das estradas nos Estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás, Santa Catarina, Pernambuco, Paraíba, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
Nas ruas de Brasília, já avançada a noite de quarta, o cenário era de longas filas nos postos e temor de desabastecimento. O tic-tac sobre o Planalto seguia: o prazo para que o caos se instale de vez, caso a situação não se normalize, é em 48 horas.
Com informações dos repórteres Marina Rossi, de Recife, e Rodolfo Borges, de São Paulo.
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